quinta-feira, setembro 28, 2006

World Trade Center, Religião e Estado: os meus campeões de eleição

Desde que li o post do Daniel, hoje de manhã, que resolvi a minha dúvida sobre se deveria ou não escrever sobre este mesmo assunto. Claro que sim. Duvidei porque também reconheço que não é fácil abordar este assunto, dados os riscos de não conseguir transmitir adequadamente os meus pensamentos e os meus sentimentos. Hesitei porque num momento em que a opinião publicada está de tal maneira manietada por um discurso dominante acéfalamente apologético, tributário de visões reducionistas da Humanidade, é arriscado procurar defender visões alternativas, em matérias que correm o risco de levar o leitor a tomar partido antes de pensar por si próprio.

Por coincidência, apenas, fui hoje ver o filme do Oliver Stone sobre o 11 de Setembro. Fui a medo, com receio de que o realizador tivesse procurado instrumentalizar o acontecimento para alfinetar as políticas com que não concorda. Saí aliviado e emocionado. O filme é duplamente impressionante, primeiro porque não explora a espectacularidade das imagens do acontecimento, que aliás já todos conhecemos de cor. Nesse aspecto é seriamente sóbrio. Depois, impressiona a simplicidade com que são retratadas algumas das melhores qualidades do ser humano. Por um lado o desejo de viver e sobreviver, que se alimenta das coisas simples da vida, como a solidariedade entre colegas, o amor à família e à mulher, a gratidão por não ter padecido no primeiro momento. Por outro lado, a alegria na tristeza, de que o nosso Fado (quando bem interpretado) é tão sublime exemplo, a esperança para lá de toda a evidência, de que o esforço, nos dias imediatos, de todos aqueles funcionários da coisa pública e do bem comum deram tão louvável exemplo, no resgate dos companheiros caídos na primeira hora.

Perante isso, intui o que queria dizer.

A Religião é, sempre foi e sempre será, um instrumento de Humanidade, na medida em que fornece o apoio espiritual de que os indivíduos necessitam para ultrapassarem as suas limitações existenciais, fornecendo-lhes certezas perante a dúvida, respostas para as angústias, muletas para o percurso de afirmação individual porque todos passamos, activa ou passivamente, no decurso da nossa existência. Nesse sentido, é uma proposta de percurso individual, um desafio a que cada um responde à medida das suas capacidades e em função das suas circunstâncias, no respectivo esforço de se ultrapassar a si próprio, de ser melhor pessoa.

É igualmente um instrumento civilizacional, na medida em que foram instituídas ou criadas por homens concretos, situados no tempo histórico, conhecidos dos seus contemporâneos, que procuraram as respostas para as inquietações permanentes do espírito humano, que estruturaram a relação individual com o divino e que não fugiram à realidade social do seu tempo. Na nossa civilização, Cristo foi um dos maiores expoentes entre esses homens e, para os crentes como eu, a prova Viva do Amor de Deus pelos Seus Filhos. O Exemplo.

Por seu turno, as religiões normalmente estruturam-se em Igrejas, estas suportadas por Homens, sujeitos em toda a sua plenitude às limitações e às grandezas da alma e da pessoa humana. Por isso mesmo, a relação entre Igreja e Poder, maxime o instrumento último de poder que são os Estados, não é imune à humanidade dos seus intérpretes. Nem para o bem, felizmente, nem para o mal, infelizmente.

Ora, o factor que, quanto a mim, diferencia essencialmente a actual postura da Igreja Católica e do Islão, enquanto religiões, é que a primeira soube - ainda que com muito esforço e maiores sacrifícios - separar-se do Estado, aceitou a diferença ontológica entre o poder temporal e o poder espiritual, aquele que se limita a procurar enquadrar a relação do indivíduo com o que lhe é superior, anterior e posterior. Não estou a pretender esquecer ou muito menos apagar os erros que a Igreja cometeu nesse percurso, nem eventualmente aqueles que possa vir a cometer na sua caminhada futura ou até presente. Estou apenas a procurar sublinhar a Evolução que sofreu - que quanto a mim foi inequívocamente para melhor.

Evolução essa que não descortino do lado do Islão. Pelo contrário, nunca como hoje foi tão evidente a instrumentalização da Fé Islâmica para promoção de interesses e ambições que apenas relevam do poder temporal. Pior ainda, vê-se que essa instrumentalização parece nem sequer respeitar uma outra lição civilizacional da Humanidade: a de que os fins não justificam os meios.

Neste sentido, não tenho quaisquer dúvidas que está em curso um choque de civilizações. Entre uma civilização que acolheu a liberdade, incluindo a religiosa, e outra que não aceita não ter poder e que está disposta a ceder a liberdade, melhor, a sacrificá-la e a instrumentalizá-la, na busca da realização dessa ambição de afirmação temporal. Julgo que a ninguém restam dúvidas de que aIgreja Católica irá combater este combate no seu próprio território: o do poder espiritual. Prevalecerá, porque escolheu os instrumentos certos. Por isto mesmo, agradeço ao Papa Bento a coragem de ter defendido a nossa civilização no seu terreno, com o seu instrumento de eleição: a Palavra. Agradeço-lhe igualmente por se ter chocado com o impacte - obviamente instrumentalizado - dessa palavra. Mas agradeço-lhe sobretudo por não se ter desculpado por dizer o que pensava, no pleno respeito pelas convicções dos outros e na segurança de convicções profundissímas como são, seguramente, as suas.

Por outro lado, o combate que o Islão; ou melhor dizendo, o combate que alguns fanáticos tem promovido em nome do Islão, radica numa luta de poder, no terreno desse mesmo poder temporal de que a Igreja abdicou há muito. Por isso mesmo não pude evitar, no final da sessão do filme World Trade Center, uma outra sensação de alívio: ainda bem que há pelo menos um País que está disposto a combater por esse poder com as armas de que dispõe, as do Estado.

Não estou a pretender apoiar ou muito menos defender o "Cowboy George", nem muito menos a falta de preparação com que lançou o seu país nas aventuras afegãs e iraquiana. Surpreendi-me, como a grande maioria dos europeus, com a leveza com que embarcou nelas, desiludi-me com a insubsistência dos argumentos justificativos uitlizados, e sofro com as consequências para os povos desses países dessa insuficiente preparação. Mas compreendo-as. Suspeito mesmo que, colocado nessa mesma posição de líder do Estado mais poderoso do Ocidente, provavelmente teria tomado as mesmas decisões. Ou outras muito semelhantes (possivelmente, com maior cuidado e maior preparação). Quem tem poder, sobretudo poder organizado como é o dos Estados, tem também a obrigação de o defender. Com todas as armas ao seu dispor. Desde que respeite os mecanismos de legitimação desse poder - o que, nalguns casos, até parece não ter sido o comportamento do Comboy George; mas também não restam dúvidas de que o sistema funcionou e corrigiu, ou pelo menos escrutinou, esses desvios. Coisa que dificilmente se pode dizer do outro lado...

Nesse sentido, e apenas nesse, fico descansado que a minha civilização disponha de campeões dispostos à luta, dispostos a sacrifícios, para a defenderem.

Por isso mesmo, tenho a certeza que os próximos líderes americanos e ingleses não irão alterar o seu rumo. Espero que o aperfeiçoem, e que encontrem aliados dispostos a combaterem o bom combate. Em especial em França, onde o voluntarismo saudosista e chauvinista desse indiciado Chirac tanto mal tem feito ao Ocidente e à Europa em particular.

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