Sempre detestei a ideia de pactos de regime, pura e simplesmente porque assentam na noção de consenso. No entanto, admito que este pacto de regime se pode justificar. Passo a explicar.
Pela natureza das coisas, o consenso pode ser - e em alguns casos até deverá ser - o resultado de uma negociação (em certo sentido é-o sempre, mesmo quando se limita a ser o consenso de que não era possível alcançar um resultado negociado), ou de uma conversa ou até de um debate em que se confrontam ideias. Há, inclusive, diversos níveis de consenso; por exemplo, duas facções podem estar de acordo quanto às causas de um problema e discordarem totalmente nas soluções para esse mesmo problema.
Do que não gosto é do consenso como método decisório. Quando o consenso se impõe como regra de decisão acontecem duas coisas: primeiro, o alcançar desse mesmo consenso passa a ser o objectivo primeiro da negociação e do debate. Obviamente, em prejuízo das soluções para o problema em análise. Depois, e em consequência desse novo objectivo, passam a procurar-se as soluções que permitem o consenso, em detrimento das eventualmente melhores. No processo de integração europeia até se encontrou um chavão para definir os resultados dessas negociações que terminam em consenso: a busca do mínimo denominador comum. Infelizmente, esse resultado frequentemente nem sequer aborda correctamente o problema que se pretende resolver; limita-se a estatuir aquilo sobre o que as partes estão de acordo em relação a esse problema. Os resultados, de uma maneira geral, não são brilhantes.
Mas há pior, em minha opinião. Erigir o consenso em método decisório superior é negar os próprios fundamentos da democracia. Na verdade, a democracia afirmou-se como regime de governo preferível porque contém em si uma certeza superior a todas as soluções e a todos os possíveis resultados negociados: as pessoas não pensam da mesma maneira, não escolhem as mesmas soluções, nem estão dispostas a pagar os mesmos preços perante as possíveis respostas a um dado problema. Logo, mais frequentemente do que uma governação a longo prazo poderia impor, é necessário mudar de Governo e de soluções propostas. Ora, o consenso enquanto método decisório pressupõe que essa alternância não é útil nem necessária: como disse um alto responsável nacional, "as pessoas bem formadas, perante a mesma informação, chegam às mesmas soluções". Nada mais falso. Pior ainda: desvaloriza-se a "legitimidade" dos decisores, que é um princípio tão importante quanto a qualidade das decisões - para esclarecer: as decisões políticas, por sua própria natureza são quase sempre atitutes que se tomam sobre situações presentes para as resolver, de uma maneira ou de outra, no futuro; por conseguinte, só muito futuro depois é que podem ser verdadeiramente avaliados os seus resultados. Assim, perante esta impossibilidade lógica, é muito mais importante assegurar a qualidade do método decisório e a legitimidade dos decisores do que procurar garantir uma hipotética qualidade das decisões que, em última análise, o futuro poderá vir a desmentir. Daí a importância de desmistificar o consenso - enquanto regra de decisão.
Porém, no caso da Justiça em Portugal, parece-me que a situação é de tal forma dramática que se justificam todos os esforços sérios para a "meter na ordem". Sem isso também não haverá sobrevivência do regime.
Pelo que atrás ficou dito, preferiria que os diferentes partidos apresentassem as suas próprias soluções e as aplicassem quando se encontrassem legitimados para tal. Do jogo dessas aplicações e das correcções que a alternância asseguraria, certamente que se produziria um resultado melhor do que o actual cinzentismo, compadrio, ineficácia e ineficiência, para já não falar da certeza de que o sistema funciona diferente consoante o requerente e o requerido.
Não sendo este o caso no nosso País, aceito e compreendo que a situação é de tal modo dramática que é necessário fazer qualquer coisa de drástico. Pelo pouco de que me pude aperceber, creio que o Pacto de regime de que agora falamos é um esforço sério.
Digo-o não por conhecer o seu conteúdo, mas porque foi feito em segredo. O que, nas actuais circunstâncias políticas, me indica que foi preparado com cuidado.
Digo-o porque esse segredo foi mantido. O que me indica que foi preservado por pessoas sérias. Digo-o porque foi o Governo quem apareceu a defendê-lo. O que me indica que a oposição participante estava preocupada em encontrar soluções para os problemas e não protagonismo efémero.
Digo-o, finalmente, porque os seus autores vêm dos dois partidos com maiores responsabilidades no estado a que as coisas chegaram. O que me indica que os novos protagonistas de um lado (PS) e outro (PSD), para além de deverem conhecer bem os problemas, demonstraram deste modo uma vontade de fazer diferente.
Posto isto, e deixando de lado a questão não menor de conhecer o conteúdo das propostas que irão ser apresentadas, resta-me desejar que a demais oposição compreenda a oportunidade e se empenhe em contribuir para soluções tão geralmente apoiadas quanto possível, nesse sentido consensuais, que confiram uma legitimidade acrescida às reformas que venham a ser aplicadas.
Será isso, certamente, muito mais importante para o País do que saber se porventura o centrão se prepara para alterar o regime eleitoral em detrimento dos pequenos partidos...
E se esse contributo não for de todo em todo possível, então que nos publicitem as alternativas próprias, as razões do desacordo e as soluções que prefeririam para o futuro.
Assim, sempre poderemos vir a escolher diferente, quando chegar o momento.
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