A existência de Deus não é um facto demonstrável cientificamente. É essa, pelo menos assim o creio, a essência da Fé. Por outro lado, quer a Fé quer Deus, são dois elementos constitutivos duma realidade superior e integrante da própria natureza humana. O homem não é só matéria, nem muito menos se esgota em si próprio. A própria existência individual recorre e necessita de verdades superiores a si própria para se integrar no contexto circundante e na realidade temporalmente situada. Aceitamos e defendemos a nossa família como parte integrante da definição de nós próprios. Referimo-nos à nossa cidade natal e ao nosso percurso pessoal como parte de quem somos. Pertencemos a diversas realidades artificiais como parte da nossa afirmação pessoal, desde clubes desportivos, a outro tipo de associações, incluindo a nacionalidade e patriotismo. Evoluímos em função disso.
Por outro lado, o conhecimento científico se é essencial ao domínio e compreensão do real circundante, não responte a este tipo de questões metafísicas que integram a nossa natureza e sem as quais não nos afirmaríamos como pessoas. Por conseguinte, misturar Fé e Ciência é uma opção explosiva, quer para afirmar uma sobre a outra quer para o seu inverso, porque ambas são complementares da natureza humana. A ciência cumpre o seu papel, que em última análise assenta na curiosidade humana, do mesmo modo que a Fé cumpre o seu papel de nos ajudar a encontrar respostas para as questões maiores que a nossa curiosidade; assenta por isso, em última análise, na inquietação humana, numa sensação de que nem tudo o que é óbvio chega para nos compreendermos e aceitarmos e muito menos para nos explicar a nossa necessidade de nos relacionarmos com o que nos rodeia e o que nos antece e segue.
Portanto, a pretensa discussão entre Fé e Ciência assenta num suposto debate entre materialismo e espiritualismo. Ora, creio que o homem é uma essência material incorporada numa realidade espiritual. É o todo que faz a sua humanidade, nem apenas uma parte nem muito menos apenas a outra. Esse tipo de visão redutora, em que tudo é material ou tudo é espiritual, corresponde a um estádio de discussão filosófica que já devia estar ultrapassado. Infelizmente não é esse o caso. Mas isso não altera o facto: as visões desse tipo são redutoras e tem pouca capacidade de explicação da complexidade humana.
De passagem, note-se que, no que concerne ao materialismo, teve os seus principais intérpretes na esquerda e nas suas diferentes materializações ao longo dos últimos dois séculos. Do mesmo modo, as principais materializações desse espiritualismo foram sendo, correcta ou erradamente, associadas a visões direitistas do mundo - mais correctamente seriam identificadas com conservadorismo, mas isso é outra discussão. De qualquer forma, as mais radicais caíram sempre numa outra classificação, essa sim muito mais pertinente e perigosa: as dos radicalismos ou extremismos.
Regressando ao tema, sublinharia que se não fosse assim, não se compreenderia porque razão todas as civilizações tiveram, criaram ou viveram da sua religião, ou muito menos porque é que tantas religiões se foram afirmando ao longo da história da humanidade.
Em geito de conclusão, ou melhor, de partilha das minhas conclusões, diria que a Ciência tem um importantíssimo papel de instrumento de conhecimento, sem o qual a humanidade não poderia percorrer os caminhos que já percorreu e aqueles que está ainda destinada a percorrer.
Do mesmo modo, a Fé é um auxiliar de afirmação individual e de referência colectiva, nos seus variados níveis, sem os quais os homens não seriam quem são.
O que não pode nem deve ser confundido com as eventuais instrumentalizações desses instrumentos a favor da imposição de determinadas pseudo-verdades. Que, de qualquer forma, a evolução acaba por contrariar (ainda que com grandes custos). E que só acontecem porque os homens são ambiciosos, cúpidos e pérfidos.
Finalmente, diria que a discussão sobre o evolucionismo e o criacionismo é um falso debate. Não sabemos quase nada sobre a evolução e muito menos sobre a criação, muito embora a ciência esteja convencida de que terá havido um momento criador. Admito que o conhecimento científico possa vir a explicar-nos muito mais sobre todos esses processos e até, em última análise, um dia distante, a dar-nos conhecimento sobre a totalidade desses dois processos. O que nenhuma ciência conseguirá algum dia responder ou estudar é o porquê. Porquê haver vida, porquê essa vida ser auto-consciente, e porquê essa mesma vida, quando auto-consciente, não se bastar com a certeza da sua existência. Haja Fé.
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