Nunca pensei que o meu anterior blog provocasse tanta intervenção. Em parte, a culpa foi minha porque não escrevi claro o que pretendia afirmar, num ponto essencial. Por isso, e apenas por isso, passo a esclarecer.
Para mim há dois aspectos jurídicos diferentes nesta questão. Primeiro, as regras do jogo; quanto a essas parece-me claro que o Gil Vicente não as quiz aceitar. Devia sofrer as consequências disso. E deveria ter sido a Liga, estrutura compentente por lei ainda que eventualmente incompetente pelas pessoas que a integram, a deixar isso claro, com rapidez e sem tergiversações. Obviamente, não me pronuncio sobre as razões extra-desportivas que os dirigentes do Gil alegam; para começar estou cansado das permanentes alegações de "sistema" e da "culpa do sistema". Depois, creio que se o Gil Vicente foi enganado parece evidente que o foi ou por incúria dos seus dirigentes ou pelo anacronismo das regras do jogo: se parece inacreditável que um jogador, ainda para mais extra-comunitário, possa saltitar de estatuto de profissional para o de amador, também parece inaceitável que o Gil Vicente queira alterar as regras à força só porque não as compreendeu ou não as quer aceitar.
O segundo aspecto jurídico é, porém, muito mais importante - muito embora me pareça que não tem cabimento no contexto deste problema. O direito à justiça que a Constituição consagra não podia nem esteve em causa em toda esta história. Obviamente que o direito de qualquer um, mesmo do Gil Vicente, de recorrer aos tribunais não pode ser posto em causa, nem foi, nem muito menos a FIFA pretendeu negá-lo. O que a FIFA defende é que os clubes que não aceitem as decisões das instâncias jurisdicionais desportivas não podem participar nas competições que organiza ou que são organizadas pelos seus membros, isto é, as federações nacionais. E isso parece-me razoável. Mas nem isso retira o direito do Gil Vicente recorrer aos tribunais civis, sobretudo para pedir justiça por questões não desportivas, nem a nossa Constituição o permite.
Há quem invoque a ideia de que não se trata de questões meramente desportivas e por isso mesmo, segue o argumento, a FIFA estaria a por em causa esse direito. Não creio. No aspecto desportivo o que esteve em causa foi o direito de utilizar o jogador Mateus. As instâncias desportivas pronunciaram-se e disseram que o Gil não tinha essa direito. Acresce que os tribunais ditos civis também não reconheceram esse direito ao Gil, no que respeita à questão desportiva.
Outro aspecto será saber se o contrato do Mateus com o Lixa era válido. Isso poderá ser discutido em Tribunal e até poderá o Gil ter razão - parece evidente que o contrato era simulado, isto é nulo, porque pretendia significar o que não correspondia à verdade. Mas daí a por em causa os resultados do campeonato nacional e a desrespeitar as regras do jogo vai um passo muito grande. Além disso, mesmo que os tribunais declarem o dito contrato como nulo, não decorre daí, pelo menos não automaticamente, que o jogador poderia ter sido inscrito pelo Gil; para isso era preciso saber se a regra da não inscrição como profissional por um ano tem ou não um carácter punitivo ou, pelo menos, dissuasor desse tipo de comportamentos.
Reconheço que causa alguma simpatia a forma como o Presidente do Gil Vicente insinua que o sistema o prejudicou. Mas a ingenuidade de alguém não lhe dá razão, só por si.
Finalmente, uma palavrinha sobre a Liga, instituição. Mais uma vez ficou demonstrado que este nacional porreirismo de tentar fazer as coisas à medida dos acontecimentos não funciona. O sistema, se sistema existe, é precisamente essa falta de clareza de regras e de procedimentos que leva a que se conclua haver dois pesos e duas medidas, como se terá verificado neste caso. Nem isso é novidade, nem parece resultar como conclusão deste processo triste a necessidade de uma maior clarificação para o futuro. É pena, porque então sempre teria valido para alguma coisa todo este imbróglio.
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