sexta-feira, julho 14, 2006

A 'numenklatura' dos economistas

Entre outras bizarrias que a sucessão exagerada de governos manifestada desde 1974 criou na praça nacional, destaca-se a existência de uma 'pool' de economistas ex-ministros, que são a caricatura da iliteracia que afundou o país nas últimas duas décadas. Caracterizam-se em poucas linhas: já tiveram responsabilidades governativas; enquanto passaram pelos governos foram de uma ineficácia mediana - o que os coloca a par de todos os outros cujos nomes nenhum de nós consegue lembrar-se; saltaram dos gabinetes para as páginas dos jornais; e, desde que o fizeram, descobriram - ou por artes da magia ou porque passaram a ter mais tempo para estudar os 'dossiers' - as fórmulas certas para entender tudo, explicar tudo e apresentar soluções para quase tudo. Habituaram-se a vender-nos incongruências como se fosse fruta podre, e nós habituámo-nos a comprá-las como se fosse fruta biológica. Algumas são de uma brutalidade difícil de explicar. A mais humilhante para todos nós que cumprimos os nossos deveres sociais e fiscais é da falência da Segurança Social. A dita é-nos apresentada como um direito social que não se pode manter e que está na falência. É engraçado: a Segurança Social é um direito, é facto, mas não um direito adquirido por via de um benefício do Estado; ao contrário, é um direito pelo qual pagamos, e não é pouco. Ora, nesse quadro, a supressão a prazo desse direito deveria, ao invés da resignação com que abanamos a cabeça desafortunadamente e abreviamos um "pois é, está na felência, não há nada a fazer", levar-nos a questionar as autoridades sobre, um, onde está o dinheiro que vamos descontando todos os meses; dois, porque carga de água o dinheiro não foi devidamente aplicado para gerar mais-valias. No limite, em vez da resignação, em que somos desgraçadamente campeões europeus, cada um de nós devia levar o Estado a tribunal por incumprimento de contrato - é que, recordam-se?, nós pagamos ao Estado por esse direito, a Segurança Social não é um brinquedo que nos ofereceram quando chegámos ao mundo, sem que pedíssemos nada a ninguém, e que agora nos tiram porque nos portámos mal.
O mais recente dislate destes economistas da 'numenklatura' é proferido por Ernani Lopes. Diz ele que "o endividamento foi um auto-engano com a ajuda das autoridades e da banca" (Semanário Económico de hoje). Depois de várias décadas com uma economia, a da União Europeia, baseada nas taxas de juro o mais possível próximas dos 0% - que por acaso continua a ser uma das pedras de toque de Bruxelas - o senhor vem dizer que nos andámos a enganar. Nós, a nós próprios, e não eles a nós próprios. Quer dizer: em vez de utilizarmos as baixas taxas de juros para comprarmos activos bem mais valiosos que aquilo que pagamos por eles - são isso as casas em que habitamos com as nossas famílias, e para onde reservamos o grosso do nosso auto-financiamento mensal - deviamos com certeza pegar nesses montantes, enfiá-los nos bancos e reservá-los para momentos mais difíceis. Pouco receberíamos por eles em retorno por via das taxas de juros às operações passivas, encheríamos a banca de mais activos líquidos que aqueles que eles já têm, mas deixaríamos Ernani Lopes mais feliz. Se há alguma forma de nos livrarmos desta 'numenklatura' maldosa e de verbo serôdio, era bom que fosse propagandeada.

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