domingo, junho 04, 2006

Saramaguices....

O "nosso" Nobel da Literatura aceitou integrar uma comissão de honra no bem intencionado Plano Nacional de Leitura. É evidente que o cepticismo quanto a este plano é mais que muito, por parte de quem tenha dois dedos de testa, como é o caso de Saramago. E, até se concede, é conhecido o seu particular azedume, partilhando sempre pontos de vista cépticos, ácidos. O ensaísta sobre a cegueira e a lucidez (ou sobre a lucidez da cegueira...), é um profundo desiludido com a vida e com o Mundo. Percebe-se, e até se aceita, que um marxista leninista empedernido, esteja desapontado com o seu país, com a própria Humanidade até, que, de forma clara, se venderam ao capitalismo neo-liberal...!!! Para um homem destes não há esperança, nem redenção. Revolución o muerte: como não tem escolha o nobel escritor já optou.
O que tudo isto não justifica é que o senhor, venha agora, depois de integrar a comissão de honra de um plano, alegadamente de incentivo à leitura, venha dizer que o desconhece.... mais até, vir vociferar contra o dinheiro que vai ser gasto...! Melhor ainda, a verdadeira pérola .... é constatar que ler "sempre foi e será coisa de uma minoria", e conformar-se. E quase intuímos, que prefere que assim seja...uma coisa de elites. Saramago denunciou-se num aspecto muito particular: o do comunismo de vanguarda. Profundamente elitista, culturalmente arrogante, em que a defesa da sociedade sem classes era mais um ponto de distinção cultural (nas várias acepções) e social. Desdenham "Jerónimos", pois têm de se render ao seu relativo sucesso. Cunhal, homem de excepção, incarnava este espírito de profunda excelência. O líder que defendia o povo, lutava pelo povo, vivia para o povo, mas que com ele nunca se confundia, antes dele se distinguia...! "La crème de la crème". Não surpreende o arrivismo, a altivez de tamanha posição.
Embora este Plano seja um manancial de boas intenções, é evidente que não cabe ao Estado prover o estímulo à leitura. Este Estado ubíquo é um outro resquício do socialismo estatizante que Sócrates tão bem esqueceu. Competirá, isso sim, ao Estado mais do que promover o acesso aos livros, desobstaculizar, pois o que se vê é que as escolas estão presas no seu voluntarismo, coarctadas por uma cultura de dependência e subserviência. Impedindo respostas que só uma ligação ao caso concreto poderá, efectivamente, prover. Um impulso sério à autonomia da gestão escolar, seria muito mais profícuo e faria muito mais pela leitura e pela literacia em geral.
Se bem que, nada disto, responde ao busílis da questão. Para ler é preciso tempo, vagar, disponibilidade. É preciso que as famílias possam ter recursos excedentários nas suas vinte e quatro horas do dia e no seu orçamento. O melhor plano nacional de leitura será, na verdade, enriquecer o país. O resto virá por acréscimo. Como ironicamente acaba por reconhecer Saramago, ler, numa sociedade como a nossa, infelizmente, ainda é um luxo...!

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