terça-feira, maio 02, 2006

Congressos e futuros

Desesperançados de que o próximo congresso do CDS seja finalmente o fórum de uma discussão esclarecida sobre a actual realidade do País e mais precisamente sobre o futuro que podemos influenciar e os modos de o fazer e sobre o futuro que não depende de nós e os modos de a ele melhor nos adaptarmos, ainda conseguimos manter o optimismo de esperar que, apesar de tudo e de todos, o partido nos surpreenda. Afinal, já rezava o poeta que a esperança é a última a morrer. Assim, na eventualidade de uma boa surpresa e para o caso de algum leitor ocasional pretender contribuir para o debate que ao país interessa, aqui fica o meu ponto de vista.

Dois pontos prévios. Primeiro. A crise em Portugal é tão profunda como alguma vez possa ter sido. Desde logo porque os últimos anos, senão décadas, foram marcados por um desperdício de oportunidades que os vários governos se encarregaram de desbaratar, sem qualquer estratégia e com muita irresponsabilidade. Depois, e porventura mais importante, porque esse desperdício associado a um claro divórcio entre a realidade política e a realidade social, levou a que as pessoas esquecessem as suas responsabilidades no todo concentrando-se nos privilégios particulares, com gravissímas consequências na coesão nacional e na cidadania, o que é ainda exacerbado pela continuada preponderância de uma cultura de esquerda em que todos são sujeitos de direitos e ninguém é responsável. Há, por conseguinte, um estado de histeria social patente e larvar, que tem vindo a cavar profundos fossos entre os titulares das instituições e o corpo social nacional. Acontece que a cegueira das elites que permitiram, quando não promoveram, este estado de coisas não é anódina. Ela tem caras e responsáveis, a começar pelos partidos que tem partilhado o poder e a terminar nos decisores que beneficiaram e beneficiam desse sistema. Assim como há, evidentemente, os excluídos desses benefícios e os sacrificados do progresso que o País conheceu. Não apenas nas classes médias excessivamente oneradas como sobretudo nos excluídos do acesso a essa classe média que o progresso teria, noutras condições de seriedade, justificado e permitido.

Segundo. Ao contrário do que vinha sendo habitual, o actual Governo assumiu uma postura disruptiva em relação a este estado de coisas. É mérito sobretudo do Primeiro Ministro, mas é também uma realidade incontornável. Podemos discutir as decisões a que esta nova postura tem conduzido, podemos até discordar delas, devemos defender as alternativas quando as haja e nelas acreditemos, mas não podemos ignorar que há uma nova atitude que é de louvar e aprofundar; há um sério esforço de recuperação da seriedade no exercício do poder político e da autoridade pública. Cabe à oposição compreender isso e colaborar nesse aprofundamento e nessa recuperação da credibilidade das instituições.

Estes dois pontos prévios permitem-me concluir que a crise não é apenas orçamental. Ela é antes de mais moral e sistémica. Os cidadãos não se revêm na elite nem nas suas instituições e as elites não compreendem nem a realidade do país nem a necessidade de readaptar as instituições ao futuro que se aproxima inexoravelmente. Forças superiores às do sistema nacional obrigar-nos-ão a corrigir a crise orçamental, com mais ou menos sacrifícios. Mas as outras crises não se esgotam nem se resolvem com esses sacrifícios. Muito pelo contrário, correm o risco de se agravar, caso os cidadãos não compreendam os esforços que lhes serão pedidos como uma parte dos sacrifícios que as elites também farão e as instituições assumirão. Estas últimas no que respeita à sua readequação às funções para que foram criadas e à recriação de condições de confiança entre os administrados e a administração.

Segue em próximo post.

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