sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Ocidente e Multiculturalidade

Um dos vectores preocupantes para que toda a polémica sobre os cartoons, Choque de Civilizações, ocidentalofobia e quejandos, nos remete, é o Multiculturalismo. No Ocidente, um mundo de sociedades abertas, convivem no seu seio, muitas mundividências, muitas sensibilidades, e muitas Culturas. É nessa via, por uma dinâmica tolerante e receptiva ao convívio multicultural, que subjaz uma certa pseudo-autoridade moral da Europa e, por que não, do Ocidente.
Ensina-nos a História que o aproveitamento espúrio de outras Culturas não traz felizes resultados. O paralelismo entre os tempos de hoje e os do ido Império Romano, são muito reveladores. No séc. V, enquanto uma Roma hedonista e culta, vivia “isolada” do resto do mundo, o Império sofria os reveses das invasões bárbaras. Um exército profissionalizado, parecia o garante da augusta cidade, sempre imune a toda e qualquer incursão belicista alheia.

A relatividade da moral e ética romana, ao tempo, fruto de uma certa multiculturalidade filha do Império, levava a que os costumes estranhos fossem apreciados, face à decadência dos usos romanos. Os pilares sobre os quais se havia erguido o Império, ruíam. Santo Agostinha dizia que "na cidade de Deus tanto há lugar para os Godos como para os romanos".
Na verdade, já com Teodósio, a resistência aos povos Bárbaros não era uma opção. Preferia-se tolerá-los. E foram penetrando no Império e nas suas organizações administrativas. Aliás, seria Estilicon, general Vândalo, quem seria o chefe dos exércitos imperiais após a morte de Teodósio. Com a morte de Estilicon, sucedem-se alguns acontecimentos, sendo a criação de um verdadeiro estado Bárbaro, talvez o mais importante, chefiado pelo Godo (visigodo) Alarico. Por sua vez as relações entre o Império do Ocidente e do Oriente deterioravam-se. O que permitia que os estados bárbaros surgidos dentro do Império se consolidassem. Foi aí que Alarico, descontente com a repartição de terras, indemnizações e privilégios obtida de Honório (filho de Teodósio) se insurgiu contra Roma, e a sitiou pela primeira vez em 408.
Claro que há outras razões, mediatas, e muito mais relevantes: a exploração a que eram votadas as populações bárbaras, sob os mais variados pontos de vista. Na verdade, os exércitos, já não eram formados por romanos mas por homens (mercenários) arregimentados às populações que Roma tolerava no seio do seu Império. Às quais tudo prometia, mas nada cumpria.
Sem dúvida, é nesta sobranceria que reside uma parte da revolta bárbara. Um sentimento de exploração e desdém, por parte de uma nata cada vez mais decadente e viciosa. Sempre disposta transigir, a ceder e, sobretudo a prescindir dos seus valores. Mas é na falta do culto das virtudes cívicas que, na verdade, se fará o diagnóstico da doença que corroía o Império. A propósito e para não me alongar, nada melhor que uma vista de olhos ao clássico dos clássicos sobre o tema: “The History of The Decline and Fall of the Roman Empire” de Edward Gibbon (curiosamente está à mão de semear nos escaparates da Fnac).


Donde, dizia, a História ensina-nos que é essencial, o respeito por outras idiossincrasias. Mas também demonstra, que acima da valorização e reconhecimento das outras culturas, é fundamental um profundo respeito pela nossa. Não bastará um necessário aprofundamento das ligações (a todos os níveis) entre cidadãos concretos de todas as culturas, baseado em princípios de plena igualdade – muito embora reconheçamos as terríveis contingências do conceito no caso concreto. Nem será suficiente o enaltecimento dos valores da tolerância. Tal será importante para afastar o anátema secular do oportunismo Ocidental. Por outro lado, também não se cuida aqui só de invocar as boas intenções, mas de acção no terreno, com medidas onde estes princípios se plasmem e cumpram. Nutrir na sociedade uma atitude positiva face ao multiculturalismo, é criar espaços de sinergias que apelem e favoreçam a plena integração das outras culturas.
Todavia, e independentemente da receptividade genuína que lhes ofereçamos (às diferentes culturas), nunca se poderá prescindir dos princípios que norteiam o Mundo Ocidental. Tudo isto para dizer que: a fidelidade aos nossos valores não se pode compadecer com relativismos culturais. O penhor da nossa gregariedade é o respeito escrupuloso pelos nossos valores. Só seremos respeitados se nos fizermos respeitar. Parece-me, pois, um preço bem razoável que quem queira conviver connosco terá de pagar…!!!

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