segunda-feira, novembro 07, 2005

CUL DE SAC

Gosto muito de França, das suas cidades, de alguma da sua música e da sua gastronomia. Gosto bem menos dos franceses, da sua arrogância política e cultural, da sua mania de superioridade moral e pseudo-iluminada. Para a ideologia político-cultural oficial da França, o país era um oásis de harmonia, superiormente orientado e dirigido por pessoas esclarecidas e ungidas, nada tendo a ver com mentecaptos como Bush, que nem sequer consegue lidar com um pequeno furacão.
Não sei se ainda pensam assim, agora que lhes rebentou um iraque dentro de casa. Afinal, como ensina a melhor doutrina, a humildade é uma virtude.
Estou vivamente impressionado com a dimensão e difusão geográfica da insurreição francesa, que até parece organizada atendendo à sua eficácia e contundência.
As razões para os tumultos já nos foram dadas. Uns dizem que é um caso de polícia, outros, menos radicais mas mais ingénuos, dizem que é a xenofobia e o desemprego. Acrescento, como muitos outros já o fizeram, que o motivo está também relacionado com as especificidades culturais e sociais dos revoltados, com a quase completa ausência de valores cívicos e colectivos, sem qualquer espécie de racismo. A França (e outros paíse europeus) não conseguiu integrar a segunda geração de emigrantes africanos e magrebinos. Como o melting pot não funcionou num país rígido e preconceituoso, criou-se uma legião de desenraizados, sem nada a perder, desligados das suas raízes e regras tradicionais, sociais e familiares, desenquadradas num país europeu, e sem terem adqurido nenhum dos valores das democracias ocidentais. Para mais, não se lembram ou nunca viveram as amarguras sofridas pelos seus pais no país de origem e, por isso, não vêem as vantagens colocadas, apesar de tudo, à sua disposição. Esta gente tem uma característica: é francesa, não tem um sítio para onde voltar e não tem lugar na sua terra. Os culpados deste estado de coisas não são só os políticos ou a xenofobia, os próprios têm a sua dose de responsabilidade. Estou longe de achar que o problema se resolvia dando-lhes uma casa decente ou um emprego decente. Casas decentes, pelo que se vê na televisão, até têm, muito melhores do que grande parte dos portugueses. Um emprego decente é um conceito muito subjectivo. Todo o trabalho honesto é digno, lá aprendíamos quando éramos pequeninos. Só que estes "jovens" não estão de acordo. Alguns poderiam ter-se integrado melhor, como muitos fizeram, mesmo considerando que estão em França, mas abandonaram cedo o sistema escolar, coisa também muito frequente em Portugal. Que emprego decente podem ter se deixam a escola e desistem de qualquer formação? Se, por outro lado, não estão dispostos a ter os empregos que os pais tiveram?
Não sei a resposta, nem creio que ninguém saiba, muito menos o Ministro do Interior Sarkozy que, por razões que desconheço, é considerado por muitos como a grande esperança da direita. O que sei é que está à vista que a segregação ou o multiculturalismo não são bons sistemas para integrar emigrantes de culturas e hábitos muito diferentes. O mundo ideal não existe e alguma coisa de próximo disso é muito cara. Se não é possível repatriá-los, se não se consegue integrá-los, se a polícia não sabe contê-los, será que se chegou a um "cul de sac"?

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