Acerca do que o José Mexia disse aqui, há que convir que, as coisas não são assim tão lineares. De facto, o problema é cultural, do povo, mas há dois factores que se lhe juntam e que se não desculpam o eleitorado, pelo menos aliviam-lhe a culpa.
Desde logo, a nível político vivemos sob o signo da desistência. Desistência dos mais capazes e, sobretudo, dos mais virtuosos. A alienação - por parte das elites mais cosmopolitas e pelo lado das da província - da vida política, tem deixado espaço aberto à proliferação de agentes politicamente patogénicos. Os casos paradigmáticos e agora tão glosados do aviltamento da instituição autárquica, confirmam que parte do problema é a falta de opção. Em quem é que esta gente pode votar? Excepcionando o caso de Oeiras, não há escolha credível. Será que se houvesse uma alternativa séria a situação seria mesma? Esta interpelação necessita, como é óbvio, de uma confirmação empírica, mas intuo que as coisas seriam bem diferentes.
Por outro lado, não podemos escamotear que quer esta degenerescência da classe política em geral, quer o dramático alheamento da sociedade civil da sua participação cívica, estão directamente ligados ao nosso relativismo cultural. A rigidez dos princípios deu lugar a uma relatividade sofista. O que, inexoravelmente, levou a um amolecimento das consciências. Mais do que tudo ser permitido, o problema é que tudo é argumentável. Há sempre uma perspectiva, uma justificação, um móbil que legitima todo o resto. A complacência ética tornou-se um valor per se. E não há arquitectura cultural subjacente e bastante que lhe valha. Por isso, vivemos tempos de experimentalismos, que se caracterizam por uma falta de virtude. Não há questões de princípio, mas questões contingentes.
É, sem dúvida, um sinal dos tempos. E não é, sequer, original. Todas as épocas de grandes mudanças sempre se caracterizaram por uma profunda crise de valores. Somos uma sociedade em constante devir. Numa dialéctica constante, em que o novo se faz velho, numa fracção de tempo. Levando a que a voragem mediática e "internética" dos dias, encarcere qualquer atitude mais contemplativa. Inconscientemente, assimilamos o quotidiano e o presente como espaço do real, olvidando quer o passado quer o futuro. Por isso não há vanguardas nem saudosismos. O aqui e agora é que vale, em liberdade total (nada que não nos remeta para o nihilismo de Nietzshe). Somos o que somos, neste instante. Nada é perene, nada perdura. Não há culpa. Porque não há normas a infringir e porque o real se renova a todo o momento em fracções independentes, seccionadas e assépticas.
Numa palavra, ontem como hoje, as semelhanças são múltiplas, todavia, a novidade e o grande desafio é que o padrão cultural actual está a tornar-se a mudança, ela própria. Este é que é o grande Quid!!!
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