A recente publicação da Conclusão da Consulta do FMI a Portugal, ao abrigo do Artigo IV, referente a 2003 tem dado origem a vários comentários e a títulos como "FMI prega-nos um susto", ou "FMI duvida da retoma". Perante estas letras gordas em jornais decidi transcrever parte do documento para que se possa ler aquilo que os técnicos do Fundo Monetário Internacional consideram essencial quanto à nossa economia. O texto é longo, mas elucidativo
Quanto ao enquadramento:
-O consumo privado contraiu-se à medida que as famílias se ajustavam a elevados níveis de endividamento e ao desemprego crescente;
- A procura de investimento também foi negativamente afectada pelos rácios relativamente elevados do endividamento empresarial e pelo enfraquecimento das perspectivas acerca da procura;
- Houve necessidade de dar maior restritividade às políticas orçamentais, uma vez que não foi aproveitada a oportunidade de progredir na consolidação orçamental durante a expansão económica anterior. A redução da procura interna levou a uma queda abrupta das importações, enquanto as exportações resistiram relativamente bem;
- A persistência dos diferenciais de inflação face à área do euro contribuiu para perdas de competitividade consideráveis, mas recentemente os diferenciais de inflação caíram de forma significativa na sequência da recessão;
- Embora o crescimento do crédito ao sector privado tenha continuado a diminuir significativamente em 2003, manteve-se acima do crescimento do rendimento nominal;
- Não obstante condições económicas muito fracas, o défice orçamental foi limitado a 2.8% do PIB em 2003. Este valor beneficiou de receitas avultadas resultantes de medidas de carácter pontual (representando 2.5% do PIB);
- O valor do PIB reflectiu também alguns progressos na contenção da despesa pública, incluindo dos salários, mas o défice estrutural (excluindo medidas de carácter pontual), em 2003, só registou uma ligeira melhoria. O orçamento para 2004 estabeleceu como objectivo para o défice o valor de 2.8% do PIB, mas as estimativas elaboradas pelos especialistas do FMI apontam para derrapagens significativas, caso não sejam tomadas outras medidas;
- As autoridades e os especialistas esperam que o PIB real cresça cerca de 1% em 2004;
- A recuperação projectada continua sujeita a riscos significativos, incluindo os que se encontram relacionados com maiores ajustamentos internos dos balanços, face aos elevados níveis de endividamento;
Tratado que está o cenário entenderam os elementos do Directório Executivo:
- Elogiar as autoridades portuguesas pelos progressos alcançados na contenção do défice, pelo reforço da resistência do sector financeiro e pela prossecução das reformas estruturais. Tal contribuiu para os ajustamentos em curso dos grandes desequilíbrios;
- Observar que está longe de concluída a tarefa de corrigir os desequilíbrios. Assim, as autoridades enfrentam o difícil desafio de prosseguir, com determinação, a sua agenda de reformas orçamentais e estruturais;
- Salientar que uma recuperação económica robusta e sustentável depende do reforço da competitividade. A par das reformas estruturais, será necessária uma moderação salarial suficiente;
- Saudar a política de contínua moderação salarial no sector público, esperando que venha a dar um sinal importante para os salários do sector privado, e encorajar a continuação da estreita cooperação com os parceiros sociais nesta área;
- Considerar que o ajustamento foi concentrado correctamente em medidas do lado da despesa, nomeadamente, na redução do emprego no sector público. Contudo, a consolidação orçamental continuou a assentar amplamente em medidas de carácter pontual, pelo que o défice orçamental subjacente continua elevado, mesmo tomando em consideração o impacto da recessão;
Quanto ao médio prazo os mesmos directores Executivos entendem:
- Apoiar o objectivo do governo, que consiste numa consolidação orçamental sem quebras de cerca de meio ponto percentual do PIB por ano até 2007, que será alcançada através de medidas de ajustamento de elevada qualidade. Será necessário um esforço sustentado para alcançar este objectivo;
- Pedir às autoridades para estabelecerem um calendário claro para a eliminação das medidas de carácter pontual nos próximos anos, substituindo-as pela redução duradoura da despesa;
- Acolher com agrado o facto de o programa de ajustamento or?amental se concentrar na contenção da despesa, nomeadamente, através de melhorias de eficiência nos serviços públicos e nos cuidados de saúde;
- Prosseguir com a implementação vigorosa da reforma da função pública, alargando os limites de contratação a todas as áreas do sector público;
- Salientar a necessidade de prosseguir com novas reformas nas despesas relacionadas com o envelhecimento da população;
- Reconhecer que as reduções da carga fiscal poderão melhorar as perspectivas de crescimento económico. No entanto, também sublinharam os benefícios para o crescimento resultantes dos cortes nos impostos irão depender de reduções correspondentes do lado da despesa, que a par da melhoria da administração fiscal podem contribuir para salvaguardar os objectivos de consolidação orçamental. A este respeito, salientaram que ainda têm que ser aplicados cortes na despesa para compensar as perdas nas receitas resultantes de reduções nos impostos sobre as empresas em 2004.
- Louvar os esforços em curso por parte das autoridades para combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo.
- Salientar que continua a ser essencial aumentar a produtividade da economia portuguesa, que se situa abaixo da média da UE, para assegurar a convergência duradoura do nível de vida. Os progressos nesta área irão depender da manutenção dos actuais esforços de reforma em diversas áreas. É necessário tomar medidas para melhorar o ensino e a formação profissional e para encorajar a investigação e o desenvolvimento. Embora seja bem acolhida a criação de uma autoridade da concorrência totalmente independente, as autoridades devem realizar novos esforços para reforçar a concorrência, nomeadamente através da implementação do programa de privatizações do governo e facilitando as entradas no mercado e as saídas.
- Congratularar-se com as reformas recentes destinadas a dar maior flexibilidade aos acordos do mercado de trabalho e verificaram que ainda é necessário tomar novas medidas para fazer face às restrições aos despedimentos, que são severas em Portugal.
O caminho apointado é de responsabilidade e de continuação do rumo seguido por este Governo. Eu sei que posso parecer insuspeito mas o que os técnicos do FMI fazem corresponde apenas a um aval qualificado sobre as políticas seguidas em Portugal. Alguém viu isso na comunicação social? Não, o que apareceu foram dados negros e as interpretações pessimistas que alteram a naturez do texto que é bem positivo para Portugal.
A minha leitura é de facto de esperança. O caminho está certo e tem de ser intensificado (o que diria a nossa oposição sobre as sugestões desses "perigosos neoliberais" do FMI?). Na minha opinião é apenas isso que tem de ser explicado.
Documentos como este podem ajudar para ultrapassar os problemas de comunicação que normalmente se assacam ao Governo. Basta aproveitar e divulgar o que lá está dito. Foi o que fiz e aos leitores do Nortadas mais cépticos quanto às opções que estão a ser tomadas faço o seguinte pedido: leiam, reflictam e depois comentem.
PS - Quem quiser ler o texto todo deve consultar a página do Banco de Portugal
Sem comentários:
Enviar um comentário