terça-feira, novembro 04, 2014

As mulheres são mais felizes?

 
«... É diferente ser-se uma escritora ou um escritor. Não queria ir por aí, não vale a pena as mulheres brandirem essa bandeira. Mas um homem escreve e tem na sua família um exército de gente que ajuda à volta. A mulher tem um exército de gente que impede a escrita” (Lidia Jorge ao Sol)



O que diz a Lidia Jorge na sua entrevista ao Sol, percebe-se, e faz sentido. Quando as mulheres escrevem, fazem-no muitas vezes "apesar" dos outros, contra todas as resistências, as exigências de tempo e outras que lhes colocam, o que não é o caso dos homens que têm esses exercícios facilitados mesmo que partilhem tarefas como é desejável, e como muitos já vão fazendo.
 
Mas o que José António Saraiva depreende a este respeito, se faz sentido, e não há mulher que não o entenda no fim de um dia de trabalho, não é nada do que Lidia Jorge quis dizer.
 
A maravilha histórica de que ele fala, a realização feminina sem limites, incluía dependências várias, entre as quais a não menos importante a da sorte, casamentos arranjados pelos pais, celibatos eternos a servir sobrinhos, exílios em terras distantes de que nunca se tinha ouvido falar e de onde nunca se voltava, filhos ilegítimos dos maridos, e sabe Deus mais o quê. Talvez ele esteja a pensar na felicidade suprema da escrita, a que algumas dessas mulheres se dedicavam quando sabiam escrever, o que muitas não sabiam, sempre às irmãs ou á mãe, naquele tom de vaga beatitude de quem está infinitamente grato porque faz sol ou não faz sol, o caseiro trouxe cerejas, há mais um filho ou um gato, e pouco mais do que isso.
 
A este propósito, só uma história. Há quase duzentos anos, uma menina do Porto chamada Joana, filha de um comerciante de vinhos da nossa praça, casou por imposição paterna com um juiz de fora de Guimarães com mais quase vinte anos do que ela. Foi viver para a Póvoa de Lanhoso onde nunca tinha ido, onde não conhecia ninguém, e que na altura devia parecer um ermo a uma menina de dezoito anos vinda da cidade. Uns tempos depois, escreveu ao pai a queixar-se, que não aguentava a solidão, a falta da família, que queria voltar. A resposta chegou rápida: “minha filha, a vida de menina acabou. Obedeça ao seu marido como se fosse uma escritura”. A menina ficou e obedeceu. Teve oito filhos e a história não acabou mal, porque consta que o meu tetravô não era má pessoa. Foi feliz? A felicidade é um conceito moderno….

6 comentários:

  1. Que maravilha, Paula. E tens muita razão: a felicidade é um conceito moderno. Bem vinda!

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  2. as mulheres que ainda hoje têm de usar burka e que se conformam e obedecem, tb têm inúmeros filhos ....deve ser porque a felicidade é um conceito moderno

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  3. A felicidade é um conceito moderno. Mas não tenho uma posição única sobre isso. Respeito demais a familia, o trabalho e o sentido de dever, para considerar que a felicidade individual pode ser cartilha única. Mas depois também há a liberdade e a dignidade de cada um, homem ou mulher, que não são respeitadas quando se impõe a um ser humano o uso da burka, como não o eram quando no nosso país não se mandava as filhas à escola para ficarem a tratar dos irmãos mais novos. ou não se lhes deixava escolher a profissão. É só isso...

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  4. A felicidade não é um conceito. É um estado de alma e que sempre existiu. Questão diferente é saber se o individualismo gera felicidade e, por outro lado, se o argumento felicidade é prioritário e absoluto. E, relativamente a isto penso que estaremos de acordo. A felicidade está no comportamento ético e colectivo e não no individualismo, logo, a felicidade por si só não existe sem o cumprimento de obrigações e deveres que temos para com os outros. O estória relatada pode bem ser a de uma mulher que na época foi feliz exactamente por ter vivido no sentido de uma ética colectiva de fazer bem a outros e daí ser feliz (julgo que será essa a situação) mas podia ser o caso de uma mulher infeliz, por ser subjugada, à semelhança do que acontece com as mulheres que ainda hoje têm de usar burka.

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  5. Paula, não devemos ligar muito ao que escreve o Saraiva. Somos mais felizes.
    Saudades
    JAC

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  6. Paula
    Que as palavras da Lídia Jorge não sirvam de desculpa para nos privar de belas prosas!

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