segunda-feira, março 31, 2014

Da minha janela

Tenho por hábito cumprimentar o novo dia com o café matinal e umas baforadas à janela. Sei que é politicamente incorrecto dizê-lo mas penso que não haverá menores a visitar este blog, para os quais até ao Lucky Luke já substituíram o cigarro ao canto da boca por uma palhinha. Espero que nunca façam o mesmo ao Casablanca, pois que, sem aquele ambiente de fumo, o filme perderia toda a sua beleza.

Por vezes (não foi o caso hoje) exclamo: Que belo dia! Normalmente tenho como reacção: Tu queres-me matar? Não vês o frio que está? Fecha-me essa janela! Quanto viajo nunca falo a minha mulher com os habituais “cheguei bem”. Não, só quando cumprimento o novo dia com uma baforada matinal na janela do hotel e tenho como reacção apenas o eco das paredes é que ligo o telefone para lhe desejar um bom dia. A vida de casado também é feita destas pequenas coisas, mas que são bem melhores que o eco das paredes.

Tenho ainda como tique fazê-lo sempre na mesma janela virada a sul, donde avisto o jardim e o estacionamento do meu bairro. Normalmente avisto também a Teresa que, ainda noite, o atravessa para ligar as máquinas da confeitaria do bairro e distribuir apressados simbalinos matinais aos vizinhos.

Apesar de, desde a chegada da troika, o tempo já não ser o que era, o jardim ainda me vai dizendo que a Primavera já andará por aí. Falta-lhe no entanto um catavento, ou uma bandeira, pois que por vezes tenho alguma dificuldade em perceber donde sopra o vento, vício matinal que, vá lá saber-se porquê, também tenho.

Já o estacionamento nada me diz da época do ano. Mas mesmo frente a minha janela o carro que primeiro avisto é um que por ali está parado já desde Janeiro. Dá nas vistas não pela marca ou pelo tamanho, no que me parece vulgar e médio, nem por estar sempre no mesmo sítio, mas sim pela sua cor: é vermelho!

Não sei porquê mas no tempo dos meus pais os carros eram todos pretos. Havia ainda os do exército que eram verdes e, algures entre o civil e o militar, ficavam os táxis. Nos anos 60 os carros começaram a ficar bastante coloridos, alguns até com mais de uma cor (que o livrete sempre identificava como “e outra”). Apareceram também as cores claras para alegrar as ruas.

Mas nos últimos anos a cor predominante dos carros voltou a ser o preto. E, quando não, é o prateado (ou cinza metalizado, como também lhe chamam). Pelo meio alguns brancos ainda resistem a tamanha uniformidade. Claro que também os há azuis ou cinzentos, mas estes são tão escuros que, antes de o sol raiar, todos parecem pretos.

Nunca hei-de entender este apetite por caros escuros em países do Sul, pois que as cores claras, em particular o branco, reflectem os raios do sol, enquanto os escuros os absorvem, dando-nos a sensação de estar a entrar num forno quando parados ao sol. Ainda me recordo do que sofria no Verão nos táxis pretos de Madrid, agora felizmente já brancos.

Claro que hoje até os carros pequenos têm ar condicionado, o que minimizará o efeito da cor que afinal mais não será que uma questão moda ou de gosto pessoal. E estes não se discutem, antes se respeitam. Mas não me importo que o raio do carro vermelho por ali se vá mantendo, fazendo uma alegre diferença no meio daquela massa de carros pretos e prateados que dorme sob a minha janela e antes só intervalada por alguns brancos.

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