Por vezes (não foi o caso
hoje) exclamo: Que belo dia! Normalmente tenho como reacção: Tu queres-me
matar? Não vês o frio que está? Fecha-me essa janela! Quanto viajo nunca falo a
minha mulher com os habituais “cheguei bem”. Não, só quando cumprimento o novo
dia com uma baforada matinal na janela do hotel e tenho como reacção apenas o
eco das paredes é que ligo o telefone para lhe desejar um bom dia. A vida de
casado também é feita destas pequenas coisas, mas que são bem melhores que o
eco das paredes.
Tenho ainda como tique
fazê-lo sempre na mesma janela virada a sul, donde avisto o jardim e o
estacionamento do meu bairro. Normalmente avisto também a Teresa que, ainda noite,
o atravessa para ligar as máquinas da confeitaria do bairro e distribuir apressados
simbalinos matinais aos vizinhos.
Apesar de, desde a chegada
da troika, o tempo já não ser o que era, o jardim ainda me vai dizendo que a Primavera
já andará por aí. Falta-lhe no entanto um catavento, ou uma bandeira, pois que
por vezes tenho alguma dificuldade em perceber donde sopra o vento, vício
matinal que, vá lá saber-se porquê, também tenho.
Já o estacionamento nada me
diz da época do ano. Mas mesmo frente a minha janela o carro que primeiro
avisto é um que por ali está parado já desde Janeiro. Dá nas vistas não pela
marca ou pelo tamanho, no que me parece vulgar e médio, nem por estar sempre no
mesmo sítio, mas sim pela sua cor: é vermelho!
Não sei porquê mas no tempo
dos meus pais os carros eram todos pretos. Havia ainda os do exército que eram
verdes e, algures entre o civil e o militar, ficavam os táxis. Nos anos 60 os
carros começaram a ficar bastante coloridos, alguns até com mais de uma cor
(que o livrete sempre identificava como “e outra”). Apareceram também as cores
claras para alegrar as ruas.
Mas nos últimos anos a cor
predominante dos carros voltou a ser o preto. E, quando não, é o prateado (ou
cinza metalizado, como também lhe chamam). Pelo meio alguns brancos ainda
resistem a tamanha uniformidade. Claro que também os há azuis ou cinzentos, mas
estes são tão escuros que, antes de o sol raiar, todos parecem pretos.
Nunca hei-de entender este
apetite por caros escuros em países do Sul, pois que as cores claras, em
particular o branco, reflectem os raios do sol, enquanto os escuros os
absorvem, dando-nos a sensação de estar a entrar num forno quando parados ao
sol. Ainda me recordo do que sofria no Verão nos táxis pretos de Madrid, agora
felizmente já brancos.
Claro que hoje até os carros
pequenos têm ar condicionado, o que minimizará o efeito da cor que afinal mais
não será que uma questão moda ou de gosto pessoal. E estes não se discutem,
antes se respeitam. Mas não me importo que o raio do carro vermelho por ali se
vá mantendo, fazendo uma alegre diferença no meio daquela massa de carros
pretos e prateados que dorme sob a minha janela e antes só intervalada por
alguns brancos.
Podias ter pôsto aqui a foto. Abraço
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