terça-feira, junho 25, 2013

O mal português


Não gosto do Mário Soares. Bem sei que uma afirmação destas é um atrevimento num país que vive de mitos, de clichés fáceis e de consensos moles. Beliscar o auto-designado “pai da democracia” corre o risco de parecer um desabafo de fascista retardado ou de comunista ressabiado pois declarar um tal desamor ao nome de futuras avenidas e pracetas ‘tem’ de esconder um divórcio com a nação ou, pior, uma alma negra que se atreve a disparar contra a ambulância. Talvez um dia tente explicar porque penso terem sido Salgado Zenha e Francisco Sá Carneiro os mais genuínos defensores da liberdade, mas agora o assunto é outro.

Feita esta declaração de interesses, passemos ao artigo do Paulo Rangel no Público de hoje. É, do meu ponto de vista, revelador da nossa doença, tão portuguesa. Não, não é na sua defesa do alegado prestígio do presidente da Comissão Europeia, personagem inferior com a qual não perderei tempo. O próprio Rangel admite nas frases finais que a agenda pessoal do homem é a gestão da sua carreira no quadro europeu e internacional. Ele que por lá fique a ‘prestigiar’ quem se julga prestigiado.

O Rangel consegue exprimir todos os sintomas do mal lusitano: o tique clubista da política (“...habituei-me a vê-lo como alguém que estava no terreno adversário”), o gongorismo do discurso (“...e digo-o porque se antolha evidente”; “...já não parece apenas a repristinação da tal narrativa”), o calculismo de curto-prazo (“a lista de portugueses elegíveis para cargos e postos europeus aumentou substancialmente”), o dar o incerto por certo (“é unânime o reconhecimento das suas qualidades), e o papaguear de conceitos vazios mas alegadamente universais (“europeísta convicto”; “solidariedade europeia”).

No quadro geral do pessoal político no activo, o Paulo Rangel revela um nível superior à medìocre mediania que nos pastoreia, mas não consegue decididamente romper a casca e libertar-se desse mainstream consensual, situacionista, indolente e instalado em que persiste em navegar. Hoje senta-se ao lado do candidato de “Gaia não pode pagar”, ontem conversava na televisão com duas senhoras menores porque pensa convir-lhe aparecer nos nossos écrans e lá vai gerindo o seu trilho sob o princípio que confessa de que para ir longe é preciso durar e aparecer ("...de resto, dificilmente um português chegaria a um posto internacional desta relevância"), como o Durão.

Há anos, quando apresentou a sua candidatura à liderança do PSD, erguendo o estandarte da ruptura, acreditei que havia ali energia e coragem. Desgraçadamente, as ditas ter-se-ão esgotado no deixar crescer os pêlos da barba e o resultado é este espectáculo triste de um  político que parece ter trocado o “podia ser” pelo comodismo suave do gesto redondo e de um academismo meramente exibicionista. Mas, quem sabe?, pode ser que um dia se decida a lavar a cara.

2 comentários:

  1. Nunca fui grande adepto de Mário Soares, que considero ter aberto as portas a todo o mal que cavaco silva e muitos dos que se seguiram vieram a fazer a Portugal e aos portugueses, culminando na canalha que se esforça em destruir o que ainda resta.

    No entanto tenho que reconhecer que, nos dias que correm, vai sendo uma das poucas vozes lúcidas e corajosas que vai procurando alertar consciências e evitar que os portugueses esmoreçam e desistam de lutar, daquele jeito que vemos em documentários dos finais de 30, inícios de 40 a tantos cadáveres ambulante de pijama às riscas.

    Verifico no entanto que é tal a raiva que Mário Soares desperta em tanto fascista grunho, que basta a simples menção do seu nome, para que caia a máscara e se mostre a besta, e, nem que fosse só por isso, já seria importante que apareça, que fale, que alerte, que denuncie, para os vermos a sair da toca...
    (não Francisco, não é, de todo, o seu caso e sabe muito bem o que refiro)

    O paspalho de mãos balofas "à vigário", em contrapartida não me merece qualquer reparo, não me merece, ponto.

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  2. Caro Douro, tem toda a minha compreensão. Admiro José Sócrates, considero-o um dos melhores políticos. Bem sei que uma afirmação destas é um atrevimento num país que vive de mitos, de clichés fáceis e de consensos moles. Admirar o hetero-designado perigoso homem que nos conduziu ao precipício corre o risco de parecer um ato de loucura, um ato de desespero de quem procura um tacho ou um ato de suspeita conivência, pois declarar um tal amor ao improvável nome de futuras avenidas e pracetas “tem” de esconder um divórcio com a nação ou, pior, uma alma negra que se atreve a disparar contra a ambulância.

    C.

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