O Sr. Ministro da Saúde tem feito trabalho difícil num tempo que não é, de modo algum, de bonança. Negociou a redução de preços com a indústria farmacêutica, cortou as horas extraordinárias e os salários dos médicos e enfermeiros, suspendeu alguns projetos (outros não foi a tempo) cujo custo de manutenção onerava os futuros governos. Na semana passada passou a obrigar (e bem) os médicos a uma declaração obrigatória de conflitos de interesses na sua actividade científica.
No entanto, ficamos também a conhecer que o Sr. Ministro da Saúde aprecia a ideia que os profissionais de saúde não devem acumular funções entre os sectores público e privado. Não sabemos se é mais do que um apreço porque o Sr. ministro diz que não se sabem as consequências, nem quanto custa, nem em que moldes o SNS sobreviverá à mudança preconizada.
Um dos grandes problemas da Saúde é a ausência de
planeamento, a manta de retalhos que existe quer a nível de oferta
pública quer a nível de convenção com privados ou Misericórdias. O
Estado vai garantindo a sobrevivência de todos os agentes de saúde
(Medicina Pública, Social e Privada) que, sob a alçada de uma pseudoconcorrência entre os diferentes sistemas, oferecem ao
cidadão um número considerável de serviços de saúde para o nosso (baixo) nível de riqueza. Não é culpa do governo A ou B, foi um enquadramento histórico que nos trouxe até este ponto.
Nesse contexto, no SNS, constata-se a existência de
hospitais públicos geridos por empresas privadas que, a menos de 50 km, detêm
hospitais privados. No entanto, a
grande promiscuidade do momento mediático actual é o facto de um profissional de saúde quer seja
médico, enfermeiro ou assistente operacional (o antigo auxiliar) acumular (com devido
conhecimento e autorização pelo Conselho de Administração do
Hospital Público) funções em duas ou mais unidades públicas, sociais ou
privadas.
O
modelo da acumulação de funções é um modelo que existe por
toda a Europa. E´ conhecido o modelo inglês (NHS) que nos serviu de
inspiração (hospitalar e centralizador em oposição ao modelo
alemão) em que os profissionais de
saúde até exercem medicina privada nas próprias instituições hospitalares públicas,
situação
claramente prevista nos seus contratos e com benefício, acredita-se,
para o utente e para o
médico. O mesmo se passa na Holanda e muitos outros países. O próprio cartão de visita de tantos e tantos colegas europeus tem de
um lado a função e horário de atendimento como médico enquadrado no
sistema
público e no verso o mesmo médico enquadrado no sistema privado
complementar.
A
fotografia que partilho convosco é bem exemplificativa do caso: mostra o cartão de
visita de frente e verso de um médico que trabalha no mais prestigiado
hospital inglês na área da Oftalmologia. Só mesmo em Portugal é que há
esta caça às bruxas. Dá que pensar.
Mas discuta-se a medida que se pretende agora implementar.
Acabar
com a promiscuidade da acumulação de funções? Se há casos pontuais de
promiscuidade estes devem ser combatidos e prevenidos com medidas de controle e boa
gestão. Impedir a acumulação de funções é uma medida que falha
completamente o alvo.
Será que a dedicação exclusiva beneficiará o SNS?
Claramente não. Perder-se-ão quadros importantes e diferenciados, quer médicos
quer enfermeiros.
A aquisição de diferenciação demora vários anos. Não é o fim do SNS que certamente se regenerará, mas será um sério abalo. Um profissional adquire muitas competências no SNS e aplica-as quer ao nível do exercício da Medicina pública, quer ao nível da Medicina privada. Porém, o inverso também é (cada vez mais) verdade. De facto, a diferenciação técnica e científica adquirida na medicina privada é também aproveitada pelo exercício médico no âmbito do SNS.
A dedicação exclusiva
aumenta a produtividade? Claro que não. A nível hospitalar, há um número
residual de profissionais em dedicação exclusiva e, por isso, a
comparação de ambos os grupos (dedicação exclusiva vs acumulação de
funções) é difícil. No entanto, que medidas aumentam a produtividade? A
reorganização dos serviços, a informatização e a eliminação de procedimentos inúteis? Ou não poder
trabalhar fora do horário num sábado de manhã ou numa sexta-feira de
tarde?
E o facto de trabalhar extra-horário noutra área que não a da saúde já não afecta a produtividade?
E o facto de trabalhar extra-horário noutra área que não a da saúde já não afecta a produtividade?
Pretende-se
aumentar a produtividade do SNS? Primeiro
observem-se as diferenças de custo por utente entre as várias regiões: de
acordo com dados oficiais, um doente do SNS do Norte custa metade de um
de Lisboa e Vale do Tejo e tirem-se as devidas conclusões. Certamente que não haverá grandes
diferenças
entre os profissionais de saúde de ambas as regiões quanto à acumulação de funções. A diferença é que há, sim, proximidade com o Poder e decisões baseadas em conversas entre próximos e amigos.
Desta vez, com que amigos terá sido a conversa?
Interessante.
ResponderEliminarmuito bem visto! Queres ver que apareceu finalente o 3.º candidato assumido à CM Porto? Mais um médico. Promete!
ResponderEliminar