terça-feira, setembro 18, 2012

Complacência no garrote

No sábado, milhares e milhares de pessoas vieram para a rua. Indignadas. Defraudadas. Sem esperança. Não porque desconheçam que o país está em situação difícil ou porque é preciso pagar aos nossos credores. Não porque não reconheçam que até é necessário empobrecer com cara alegre. Não. Os portugueses sabem e compreenderam o estado de emergência financeira nacional. Por isso, silenciaram-se perante uma suspensão ex officio de algum dos seus direitos, como a alienação de reformas (correspondentes a anos a fio de descontos), anuíram com cortes nos décimos terceiros meses e subsídios de férias, aceitaram um aumento brutal da carga fiscal. Ao estado de necessidade, os portugueses, de uma maneira serena, disseram que sim. E o Governo foi confiando nesta bonomia aparente.
De repente, eis que se soergueu uma mole de gente, de todos os quadrantes, de várias classes sociais, num grito de protesto amplo e geral. Dos patrões aos sindicatos, o país insurgiu-se contra a TSU. E ouviu-se um BASTA.
A última proposta que o Executivo desvendou tirou o país do sério. Rompeu esse contrato social, tácito, com o Governo, em que os sacrifícios eram, aparentemente, aceites acriticamente. E rompeu-se porque os portugueses deixaram de perceber.
Deixaram de perceber a Justiça dos sacrifícios.
No silêncio de meses, iam sublimando as dúvidas. Tais como: porque é que sobe a electricidade? os combustíveis? os transportes? Não vivemos nós num mercado liberalizado, em livre concorrência? Contudo perseveraram sem se indignarem contra os contratos leoninos que as instituições de crédito apresentam, contra o despudor das renegociações de empréstimos bancários, dos seus spreads e taxas de juro, e ausências de financiamento à economia, com o pagamento das portagens, com o Estado a demitir-se de renegociar as cláusulas de assunção do risco do negócio nas P.P.P’s, tudo resultando em infindáveis contingências à sua contabilidade doméstica. A tudo, nada disseram.
Mas esta percepção alterou-se. Para os cidadãos o Estado pode cobrar mais impostos e impor cortes salariais e de pensões, pedir todos os sacrifícios. Porquê? porque sim. O Estado de Direito é um Estado com direitos.
Mas para as empresas, para as grandes empresas e os grandes negócios, o Estado tem de respeitar os acordos firmados, tem de aceitar a aparente lei do mercado, tem de acatar as cláusulas abusivas. Porquê? porque sim. O Estado de Direito parece um Estado com obrigações.
Ora a tudo isto a “rua” disse não. Porque esse fio ténue e delicado que une o tecido social e os seus representantes se rompeu. Porque os governados perceberam que nos critérios desta última opção de austeridade, não houve Justiça.
Em face do fardo de exigências imposto , o executivo tem de as caldear com medidas de equidade, que protejam o cidadão. Para que perceba que há sacrifícios transversais, que a coesão social não é uma mera palavra, mas um conceito real, seja na redistribuição dos benefícios como na contribuição para os sacrifícios. Os portugueses estão disponíveis, aceitam mais austeridade, querem pagar as dívidas, querem o país de volta ao trilho, mas só o aceitarão quando lhe demonstrarem que não são os únicos a serem afrontados, mas sim que há outros, outros poderes e interesses, que também contribuirão neste esforço colectivo. Quando intuírem que a emergência nacional não só lhes suspende os seus direitos e lhes cria novas obrigações, mas que esse estado também suspende a subida da gasolina, da electricidade, dos lucros dos Bancos, da especulação bolsista, etc.
O Governo tem de prestar contas. Há um capital de credibilidade que se desvaneceu. É este capital que o Governo tem de recuperar, porque nessa altura o povo voltará a estar sereno. E, novamente, aceitará mais austeridade, mais sacrifício, mais garrote. Se não, saltar-lhe-á, fatalmente, à jugular.

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