terça-feira, abril 03, 2012

CDS

Muito se tem falado sobre o último Conselho Nacional do CDS. Aliás, não me lembro de se falar tanto na imprensa antes de um Conselho Nacional do CDS. Em consequência, continua a falar-se, e muito, agora que já passou.
Curiosamente, quem mais fala, quem mais amplifica, quem depois do CN mais deturpa e inventa, não falou quando teve oportunidade em sede própria: no próprio Conselho Nacional! Falaram antes abundantemente à imprensa, desmultiplicaram-se na blogosfera, criaram um caso. Seguiu-se nova profusão de opiniões, crónicas ficcionadas, não creio que desonestas ou mal-intencionadas, um ruido pouco compreensível. Estranhamente, durante o Conselho Nacional pouco ouvimos; dos doze Conselheiros formalmente descontentes, falaram dois ou três e só nove votaram!
Claramente, a estratégia seguida por este grupo de 12 militantes do CDS passa por uma tentativa de destabilização de fora para dentro. O Conselho Nacional destes doze Conselheiros fez-se antes e depois e fora do Partido, a estratégia é clara, a reunião propriamente dita pouco interessava neste campeonato de notoriedade.
Lamentavelmente, estas diatribes dão hoje ao Partido Socialista uma válvula de escape artificial para desviar as atenções da sua implosão em curso. O CDS não está em crise, está bem e recomenda-se; estes 12 militantes inventaram uma crise de plástico que permite o aproveitamento dos socialistas neste momento realmente dramático da vida do PS.

Estou no Partido desde 1982, nunca fui de outro partido, foi a minha primeira escolha, nunca saí, nunca ameacei sair, apoiei diferentes direcções, discordei de outras, tenho consciência clara de nunca ter traído o Partido, de ter sempre conseguido realizar-me politicamente sem necessidade de trocar o Partido pela ânsia da minha afirmação ou protagonismo.
Nestes muitos anos, já vi de quase tudo, já vi muita gente chegar e ficar, já vi gente partir, já vi gente regressar, já vi gente a servir causas e gente a servir-se de causas.
Sou, e acredito que a esmagadora maioria do Partido é, um defensor convicto da democracia-cristã. Tenho presentes antes de qualquer decisão política os princípios da doutrina social da Igreja.
Bati-me com afinco, nas ruas, nas sessões de esclarecimento, nos media, pela causa da Vida. Continuo a acreditar que esta é uma causa que vale a pena, que o futuro corrigirá.
Votei contra o casamento gay, apresentando uma declaração de voto onde explicava os meus motivos e as vias que defendia para a salvaguarda dos direitos e deveres de cidadania que a todos assistem.
Tenho as maiores reservas quanto à procriação medicamente assistida.
Oponho-me por princípio à adopção por casais homossexuais, salvaguardando que a adopção não é um direito de casais de nenhum tipo, mas sim da criança a adoptar.
Mas, tão importante como o que acabo de afirmar, é o facto de desde sempre ter aprendido que o CDS era uma "casa" onde cabiam também conservadores, onde os liberais se sentiam bem, era, enfim, o grande espaço da direita onde se discutiam ideias, políticas e valores. Diferente de outros partidos também de forte componente ideológica, o CDS valorizava a unidade, não se obrigava à unicidade.
Habituei-me assim, a respeitar, a ouvir, a debater, a concordar e a discordar de companheiros de partido; a encarar este relacionamento com naturalidade desde que dentro dos limites da lealdade e da ética. Foi assim que vi e equacionei os votos dos meus colegas deputados que pensam diferente de mim em algumas das matérias que acima enunciei. Senti-me traído? Não! Houve mal-estar no Grupo Parlamentar? Não! O processo foi debatido, foi claro e foi honesto. Mais, acredito que traduz a base eleitoral do Partido: uma esmagadora maioria a defender determinada ordem de valores em coabitação natural com pessoas, que não os defendendo, são ainda assim de direita e encontram no CDS a voz política de alternativa clara ao socialismo ou à indefinição ideológica do centrão. A composição da votação do CDS, de forma natural, permite um sinal de conforto e acolhimento a diferentes modos de pensar a direita, sem trair a tradição, a história nem a maioria do seu eleitorado. Peço desculpa, mas não me parece mal.
O que não cabe no CDS, de que tanto gosto e tão bem conheço, são as sanhas pessoais, é a pretensão do domínio do colectivo pela micro-facção iluminada, é o pensamento único, o dogmatismo, a soberba.
O que não posso compreender é que se considere maltratado um ex-Presidente que em permanente confronto com o próprio Partido, com o Governo que o Partido integra e apoia, em constante afirmação de uma agenda própria sem coordenação da mesma com as estruturas competentes do Partido e a quem é dado o primeiro lugar da segunda lista mais importante em eleições legislativas, a quem é dada a única presidência de Comissão Parlamentar de que o Partido dispõe, a quem é dado tratamento de excepção em termos de instalações físicas e recursos humanos de apoio.
Por fim, reforçar a ideia que tem assistido à minha caminhada no Partido: cabemos todos, desde que unidos no essencial; dos que pensam diferente em matérias sensíveis, às micro-facções que aspiram governar o Partido um dia, aos ex-Presidentes em rotas solitárias de afirmação pessoal, aos que hoje são maioria e poderão no futuro não ser. Todos fazemos falta, todos devemos cá continuar, todos temos a estrita obrigação de construir, de somar, de salvaguardar o futuro do CDS, acreditando na mais-valia do Partido na construção do futuro de Portugal.

11 comentários:

  1. Prontos, estava eu tão entretido com as histórias do PP e tinha que vir o CDS cortar o fio à meada...
    FRF

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  2. Caro Raul,

    A questão não se coloca quando o voto de um deputado até dá jeito porque alarga a base de apoio do partido, a questão coloca-se se, um dia, a lei passar por causa do voto desse deputado. Imagine-se a questão do aborto. Se amanhã houver uma proposta a liberalizar, ainda mais, o aborto, e o PSD der liberdade de voto, o que é que vai dizer o CDS se a lei passar com o voto de um seu deputado?

    Será que o partido vai ficar a chorar porque deveria ter previsto essa situação, ou vai achar normal?

    E o Raul, o que acha?

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  3. Caro Raul,

    Somos colegas de partido e de Comissão Política. Ambos nos conhecemos bem e somos amigos. Como sabes, subscrevi a proposta.

    Confesso que fico entrestecido quando afirmas que a proposta e a postura consubstancia uma "pretensão do domínio do colectivo" e que nos consideramos "micro-facção iluminada", que defendemos um "pensamento único", e que apelamos ao "dogmatismo".
    Onde está a "soberba" de quem, lealmente, na ultima reunião da CPN, defendeu esta opinião, mesmo estando só?

    Defender que o partido deve procurar ter uma só voz em questões estruturantes da sua matriz, não é invocar quelquer superioridade moral, é apenas e tão só, defender uma opção política que julgamos a melhor para o crescimento do partido que todos queremos fortalecer.

    Ou será que, quando o CDS em 2010 votou a uma só voz contra a adopção Gay, estava a ser soberbo?

    Que houve uma alteração na votações do CDS, sem que o assunto tivesse sido analisado e debatido internamente (CPN, CN) é inegável e tu bem o sabes. Aliás em 2010, a mesma votação o CDS tinha falado a uma só voz. O que mudou entretanto?

    Que existiu um acordo pessoal com um ou dois deputados sem conhecimento do partido é inegável e tu bem o sabes. Porquê?

    No resto estamos de acordo. E ainda bem que estamos.

    Não me magoa que não me defendas de acusações e insinuações torpes. Mas espero que não entres num coro, que não é o teu, que nos acusa de invocar uma qualquer superioridade moral.

    Tu que me conheces sabes que não sou pessoa para invocar qualquer superioridade moral,

    Um abraço amigo

    Pedro

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  4. Raul

    O que eu acho importante é que o CDS defina qual é a sua posição política sobre estes temas. Pelo que percebo do que escreves, defendes que o CDS admita a liberalização do aborto, da adopção por casais do mesmo sexo, passe a expressão, etc, embora tu não concordes com essas práticas. Eu percebo essa posição, e assenta numa visão, digamos, liberal: cada um faz o que quer e eu pelo meu lado não faço.
    Se essa é a posição do CDS tem de ser assumida publicamente. É que a maioria dos votantes, simpatizantes e até militantes podem estar convencidos de outra coisa. Não é o meu caso, que estou perfeitamente ciente do CDS actual.
    um abraço
    JAC

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    1. Caro João,
      O erro começa aqui, a desinformação provocada por todo este ruido, leva a que se possa pensar aquilo que escreves.
      Para que conste, a direcção do Partido deu uma orientação de voto explícita sobre estas matérias: o voto contra em ambos os casos. A direcção do Partido teve uma posição clara e o Grupo Parlamentar seguiu esta orientação com a excepção do voto contrário de um Deputado em cada uma das votações.
      Criará alguma confusão no nosso eleitorado um ou dois votos divergentes? Não creio.
      Haverá seriamente alguma viabilidade do CDS deixar de ser como é na sua composição ideológica? Não me parece.
      João, não sou liberal, luto e sou militante das causas em que acredito, mas compreendo que o CDS não é monocromático, que acolhe diferentes linhas de pensamento da direita democrática. A expressão dessa realidade não me choca, desde que não ponha em causa os valores fundamentais do partido, como foi o caso, e ainda mais teria sido, não fosse a criação de um facto político artificial e amplificador à volta disto.
      Um abraço do,
      Raul

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    2. Caro Raul,

      Qual a sua posição se, de hoje para amanhã, for necessári o voto unânime de todos os deputados do CDS para derrotar, imaginemos, uma lei que venha a liberalizar totalmente o aborto até aos 9 meses? Deve o partido dar orientação de voto e permitir votos contrarios? ou impôr disciplina de voto coarctando assim a tal liberdade que hoje se invoca?

      Acha que se a lei passar porque um deputado do CDS não votou de acordo com a orientação dada pela direcção o eleitorado CDS, na sua grande maioria, não se vai sentir confuso?

      Pode responder?

      Tiago Pestana de Vasconcelos

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    3. Caro Tiago,

      Obviamente, posso e quero responder ao seu comentário/pergunta.
      Devo recordar-lhe que há um consenso nacional em torno das modificações à legislação sobre o aborto: só por via de referendo.
      Como imaginará, terá havido muita gente de todos os partidos, CDS incluido, a votar a favor do aborto. Do mesmo modo, nem toda a gente que votou contra, vota no CDS, com grande pena nossa...
      Por isso a questão não se põe.
      Mais, se quiser fazer um exercício teórico, acho que o CDS não mudará nas questões da vida e que cumprirá sempre o prometido no programa com que vai a eleições, como aconteceu com o casamento gay. Nesses casos haverá sempre disciplina de voto.
      Devo lembrar que a questão das barrigas de aluguer foi rejeitada pela totalidade do Grupo Parlamentar.
      Se o Deputado com dúvidas nestas matérias que implicam disciplina de voto, estiver confuso ou desconfortável, terá de resolver o seu problema por si.
      É claro que me pode dizer que o Deputado pode desrespeitar a disciplina de voto, como ainda na passada semana fez o José Ribeiro e Castro, mas aí já é toda uma outra história...

      Cumprimentos

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    4. Caro Raul,

      Não jogo assim muito poker mas posso-lhe dizer que, neste caso, pago para ver...

      Perante a posição adoptada pelo presidente do partido e pela esmagadora maioria dos conselheiros no último CN (os que falaram e os que só votaram), duvido, seriamente, que haja margem de manobra para impôr disciplina de voto no caso de ser proposta uma lei a liberalizar, ainda mais, o aborto, ou para o restringir...

      Se o Raul acredita nisso ainda bem, mas acho que, se essa situação se colocar, vai ter uma decepção..

      TPV

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  5. Caro Pedro,
    A amizade que nos une, permite grande liberdade na expressão das diferenças de opinião política. Concordamos em muito no plano ideológico, discordamos em diversos pontos relevantes no plano partidário.
    Defender-te-ei sempre que te ataquem a titulo pessoal, como faço com qualquer amigo sem excepção.
    A nível partidário, estamos mais uma vez com pontos de vista diferentes e, como é natural, enquadrados em grupos de opinião diferentes.Do que aqui falei refere-se estritamente ao que li, vi e ouvi emanado do grupo de opinião em que te enquadras. O tom, o modo, os meios, as palavras usadas (facas longas, por ex.), empurram-me para o juizo que faço das mesmas. A mim e a 90% do Conselho Nacional.
    Um abraço amigo do,
    Raul

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  6. Raul,
    Continuo, confesso, sem perceber.
    O que é que foi que viste ou ouviste no CN que consubstancia uma "pretensão do domínio do colectivo" ? Que os subscritores se consideram "micro-facção iluminada"? que defendemos um "pensamento único", e que apelamos ao "dogmatismo" ?
    Gostava de perceber e já agora sem vires outra vez com a história do artigo das tais facas longas que aliás tive logo o cuidado de, por escrito, criticar.

    Abraço
    Pedro Pestana Bastos


    Pedro

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  7. Pasmo
    Julgava impossível ainda haver alguém, numa sociedade civilizada, que não só pensasse da forma que o autor pensa, como até se orgulhasse de tal, como claramente o autor se orgulha.
    Saber que quem assim pensa (e de tal se orgulha) é alguém que foi capaz de aprender a escrever, que, provavelmente, foi capaz de concluir uma licenciatura e que, pasme-se, exerce as funções de deputado no parlamento do meu país, diz-me tudo quanto à natureza do país e quanto às razões do seu subdesenvolvimento.
    O senhor deputado orgulha-se...
    Eu tenho vergonha por si!

    António Moreira (AM)

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