Quando com gosto vou dar aulas à Universidade do Minho, uma das minhas provocações que mais espanto causa aos jovens alunos é quando lhes digo que eles não sabem ler as notícias. Sim porque infelizmente não basta juntar as letras e soletrar as palavras que elas juntas formam. Há muito mais e mais interessante. Em especial o que está nas entrelinhas. Infelizmente esta prática prolifera em Portugal e não só diga-se em abono da verdade. Por isso mesmo o grande desafio é saber ler o que lá vem, ou então esperar que alguém nos explique. O Gabriel Silva fez isso tomando por base as recentes eleições na Dinamarca e na Alemanha. É duro mas a verdade por vezes é crua. Aqui fica:
Tresler
Toda a impensa escreve: «Partido de Merkel perde eleições regionais em Berlim».
Jornalisticamente falando, «perde eleições» quem está no poder. Não era o caso. Logo, a notícia correcta seria «SPD renova vitória em Berlim». Ou ainda mais factual: «Coligação de esquerda vence em Berlim mas perde maioria».
É que os factos podem ser chatos chatos, mas não há volta a dar-lhes.
1. O governo estadual de Berlim era formado pela coligação entre SPD e a extrema-esquerda do Die Lieken.
2. Os partidos da coligação perderam votos e deputados: 6 deputados o SPD e 4 o Die Liken.
3. «O Partido de Merkel» ganhou votos e deputados: +2% e + 2 deputados.
4. Os 2 partidos de esquerda que até agora governavam em maioria, perderam-na e provavelmente terão de chegar a um entendimento com o Verdes.
Aliás, é já uma tradição nacional qualquer leitor mais avisado ter de se socorrer de fontes não-portugueseas para saber verdadeiramente o que se passa na maior parte dos países. Veja-se também o caso das recentes eleições eleições na Dianamarca.
Pergunte-se a qualquer pessoa e todos dirão que os sociais-democratas ganharam as eleições naquele país. Errado.
Na verdade, foram o segundo partido mais votado. Perderam votos e um deputado. Tiveram o pior resultado eleitoral nos últimos 100 anos.
O partido do primeiro-ministro cessante subiu votos e teve mais um deputado.
Apesar disso, a líder social-democrata será primeira-ministro. Porque os partidos mais á esquerda aumentaram a sua votação e os parceiros conservadores do actual governo desceram muito. A esquerda formou uma coligação com maioria parlamentar. Normal. Já por cá ainda haveria um chiliques e desmaios de raiva se um segundo partido mais votado fosse chamado a governar em maioria. Mas é o que há….
Ainda um pormenor: os jornalistas portugueses, para além dessas omissões, ainda condimentaram as peças com referência a uma eventual penalização governamental por causa das restrititivas leis de imigração. Azar: a nova primeira-ministro e o seu partido são defensores intransigentes dessas mesmas leis e nem pensam sequer em as rever….
Boa Carlos! Evidente, mas ainda assim muito bom.
ResponderEliminarAbraço de Maputo
Sem contestar a falta de qualidade dos nossos jornalistas, que subscrevo inteiramente, o texto reproduzido também não é claro. Na verdade, baseia-se numa premissa falsa: "Jornalisticamente falando, «perde eleições» quem está no poder." Desculpem, mas não. Perde eleições quem não as ganha. Se o título tivesse sido «Partido de Merkel perde PODER REGIONAL em Berlim», aí sim, concordo que teria sido enganador e até factualmente errado. Mas «Partido de Merkel perde eleições regionais em Berlim» corresponde à verdade. Perdeu mesmo. Porque não ganhou. Mas não tenha pena dela, porque a Frau Merkel está habituada. Desde a sua reeleição em 2009 houve 9 eleições regionais. O partido dela perdeu (perdeu mesmo) 6 delas. Numa sétima, apesar de ter ganho por 0,1% ao SPD (empatando em lugares), não conseguiu formar coligação para governar. Recapitulando: dessas 9 eleições a CDU ganhou 3; mas só ganhou o poder em 2.
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