quinta-feira, setembro 29, 2011

Chamem-me conservador

Fui educado numa cultura de exigência, tendo-me sido explicado desde que me lembro que essa exigência era para meu próprio bem.

Sentar-me à mesa a horas, não questionar a sopa, o prato ou a fruta, não "abrir as asas", esperar pelo fim da refeição e pedir licença antes de me levantar era habitual e inquestionável na minha tenra meninice.

Cumprir horários, respeitar os mais velhos (quase todos, na altura...), ir à missa, à catequese, às aulas de música, ao cemitério com a avó e pereceber que houve muita família antes de nós que era preciso continuar a respeitar.

Esperar que os primos de fora chegassem para irmos todos juntos comprar a primeira bicicleta de cada um, com sorteio das cores para que houvesse plena igualdade. Saber que essa bicicleta teria de durar muitos anos.

Comprar a segunda bicicleta com dinheiro dos presentes da comunhão solene. Saber que essa bicicleta tinha de ser criteriosamente escolhida porque seria para a vida.

Usar a Parker 21 de tinta permanente só em provas importantes, porque os aparos gastam-se e uma Parker 21 era uma Parker 21. Ainda a tenho.

E assim foi em relação a muitas coisas e outras tantas atitudes. Felizmente!


Vem isto a propósito da decisão de Nuno Crato de suspender o prémio de 500 €uros dado aos melhores alunos.

Voltando ao meu caso pessoal, sempre me foi dito que tirar melhores notas, dar o melhor de mim, era a minha estrita obrigação. Nunca tive presentinhos de passagem de ano lectivo, louvores por boas notas, nada. Era suposto que cumprisse. Na altura não tinha outra missão senão investir no meu futuro.

E quem era o beneficiário do meu bom desempenho? Pois é, eu!

Se tirasse más notas, a história seria diferente. A malandrice não era nada bem vista pelas minhas bandas...


Talvez por esta deficiente formação, nunca vi com bons olhos esta coisa de darem os 100 contos à malta que cumpria o seu dever para seu próprio proveito, tudo em nome das sacrossantas motivação e competitividade.


Na sociedade individualista em que vivemos e com as necessidades que proliferam, a solução de Crato é interessante; estimula o sucesso e a consciencialização social ao mesmo tempo. Enaltece o acto de dar e liga o aluno a algo bem mais digno do que a mera ambição de ter. Pelo caminho, ajuda-se que mais precisa com a verba em causa.

Ainda estamos longe do regresso a uma cultura de exigência em que cada um sinta que deve a si e aos outros o cumprimento pleno das suas capacidades.

Era a verdadeira receita para o fim da crise.


Chamem-me conservador. I don't care.

6 comentários:

  1. Conservador, talvez. Who cares?
    Mas certamente previligiado numa sociedade onde ter sopa,prato e fruta na mesa,
    aulas de música e tempo para a catequese,
    esperar por primos para irem todos comprar bicicleta (a primeira),
    presentes de comunhão solene... que financiam a 2a bicicleta,
    para não falarmos da Parker21 ...
    são regalias de muito poucos.
    Ao ler o seu comentário percebe-se melhor que a crise não vem de 500 euros a mais ou a menos aqui ou ali.Vem sim da esquizofrenia (digo, corte completo com a realidade) em que prospera este tipo de discurso moralizador e sobretudo asfixiante.

    ResponderEliminar
  2. Caro Raúl
    Sinceramente, espero que a decisão do Governo tenha por base a falta de dinheiro.
    Um abraço
    JAC

    ResponderEliminar
  3. Caro Raul
    O prémio teria de vir dos meus impostos que me custam muito a pagar e que tu queres aumentar como tens escrito por aqui.
    De qualquer forma, mesmo saindo-me do bolso, não me parece mal que se premeie o mérito precisamente porque, mal ou bem, é com esse e outro tipo de incentivos que se consegue pôr a funcionar o tal elevador social de que fala o Paulo Portas. Nem toda a gente tem a mesma educação de exigência de que tu falas e que alguns conheceram noutro tempo, pelo que este dinheiro talvez fosse bem empregue, ao contrário de outros subsídios que o mesmo ministério dá a alunos que não têm aproveitamento escolar.
    BLX

    ResponderEliminar
  4. Independentemente de concordar ou não com esse tipo de "incentivos ao mérito" e não comentando a infância regalada do autor (fixe p´ra ele) que não vem para o caso e apenas ajuda a perceber os preconceitos evidenciados, penso que não se está a valorizar o aspecto mais grave da situação.
    Existia uma situação contratualizada (bem ou mal mas estava) os alunos conquistaram com o seu trabalho o direito ao prémio (e este foi~lhes até confirmado dias antes) e, no final, o ministro resolveu alterar as regras do jogo, fazendo com que o direito ao prémio monetário fosse substituído pelo putativo direito a escolher a "obrinha de caridade" em que o mesmo seria (?) aplicado.
    Isto em português tem um nome (de facto mais que um...) mas, na prática, encerra uma valiosa lição para a vida: Nunca se deve confiar no Governo (nem nos políticos em geral e muito menos nos catraios da actual maioria).
    AM

    ResponderEliminar
  5. Também concordo que a peregrina ideia de dar prémios a quem não faz mais que a sua obrigação, é de elementar bom senso.

    Alias, quem o não fizesse, devia era pagar os custos que causou ! Isso é que faria de certeza fazer funcionar o elevador social.

    Agora que se corrija um erro com outro erro, parece-me bem pior.

    Pelo menos, na educação que tive, a palavra dada é para ser cumprida ! E se o estado deu uma palavra, não devia voltar atrás.

    ResponderEliminar
  6. Digo:
    Também concordo que a peregrina ideia de dar prémios a quem não faz mais que a sua obrigação, é uma perfeita estupidez, não é mais do que elementar bom senso. (...)

    ResponderEliminar