Confesso que sempre me baralhou esta relutância da nossa classe política em recorrer ao FMI. Não tanto pela relutância em si, mas antes pelo consenso que parece reunir.
De facto, o recurso ao FMI, ou ao Fundo Europeu que é a mesma coisa com ou sem participação do FMI(que, diga-se, é a instituição com mais experiência neste tipo de situações), é uma válvula de escape que se impõe quando os Países chegam a situações de endividamento tal que começa a ser provável que não consigam financiar as suas necessidades monetárias e financeiras. O anormal, portanto, não é o recurso ao FMI; anormal é o percurso anterior que conduz à necessidade de recorrer ao FMI.
No caso português, na minha humilde opinião, é duplamente anormal. Primeiro pelos esquemas de desorçamentação a que recorremos há anos, para "fingir" que temos uma situação orçamental equilibrada ou a caminhar para isso, num processo em tudo semelhante à fraude grega, embora conduzido de forma mais elegante e menos descarada. Muita gente sabe e muita gente fala, há anos sublinhe-se, que as dívidas de CP, Refer, NAL, NAVE, Metro de Lisboa e do Porto, etc. etc, são de facto dívida pública encapotada, porque as receitas são essencialmente transferências do OE. Em segundo lugar, é anormal, por causa do desbaratar de dinheiros públicos em projectos megalómanos que deram cabo da nossa economia e hipotecaram o nosso modelo económico. É verdade que isso se agravou muito nos últimos anos, mas o problema já vem de há muito tempo. A única surpresa, no meio disto tudo, ainda é a resiliência das nossas empresas privadas que, contra tudo e contra todos, continuam a manter uma dose muito razoável de competitividade e a aumentar significativamente as suas exportações - significativamente na medida em que o conseguem a ritmos muito superiores aos do crescimento económico nacional, apesar ou contra as dificuldades de financiamento. Tirando o sector financeiro, obviamente, que engordou a financiar as PPP ao ritmo das ilusões oníricas dos nossos governantes e o consumo dos particulares, bem entendido, ao ritmo da incompetência e incúria dos responsáveis do Banco de Portugal que, aparentemente, não perceberam que mais tarde ou mais cedo os juros subiriam, nem anteciparam as dificuldades ou, ao menos, o risco de dificuldades orçamentais que agora nos afogam, nem muito menos se preocuparam em separar trigo de joio, nem mesmo quando a actividade bancária roçou a mafiosidade e a criminalidade...
Por tudo isto e para pôr um fim a isto tudo é que me parece fundamental que o País recorra rapidamente ao FMI (= Fundo Europeu). Sem despudor e com humildade. Ao menos para nos virem os estrangeiros dizer o que nós não queremos ou não sabemos assumir; como este senhor do banco central austríaco que afirmou sem hipocrisia que "faz sentido económico Portugal recorrer ao FMI" (ver aqui no Sol). Claro, na medida em que o juro a pagar seja menor do que aquele que o Estado possa conseguir nos tão mal afamados "mercados". Infeliz e brevemente o veremos, já em Abril.
Por tudo isto e para pôr um fim a isto tudo, é que não compreendo as movimentações actuais da nossa classe política para tentar "tapar o sol com a peneira" e não falar do verdadeiro buraco português, da sua verdadeira dimensão, ou sequer do desejo de o conhecer. Folhear o Expresso desta semana foi esclarecedor. Não me parece democraticamente correcto, nem formalmente admissível. Democraticamente, porque o Povo, neste caso os contribuintes mais do que os eleitores, têm direito a conhecer a realidade. Formalmente, porque quem ambicione a chegar ao Governo tem o dever de expôr e conhecer a verdadeira situação.
E as autoridades europeias que se lixem; se não quiseram ser exigentes no passado, que aguentem agora com as consequências da respectiva incúria. E até é melhor que o façam já, se querem realmente evitar que a situação venha a contaminar a Espanha - o que duvido que ainda seja possível.
Mais uma vez arriscamos a pagar um preço alto para defender a honra de uns senhores que não a tem. Se tivessem não tinham deixado o País chegar até aqui. Esperemos que alguém tenha coragem para o fazer. Esperemos que seja o CDS, e a breve trecho, porque se não fôr mais ninguém será - à esquerda populista e trauliteira isso não interessa, porque pode implicar mais sacrifícios e mais privatizações; o que, aliás, me parece inevitável. Como dizia a minha Avó, "vendem-se os anéis para salvar os dedos". Neste caso os anéis são, ou deviam ser, todo o património do Estado que não esteja directamente ligado à soberania (e mesmo aí, se calhar ainda há coisas a vender) e a dívida decorrente das PPP que ainda se possam suspender a nenhum ou algum custo (desde que economicamente sustentável, há muitas situações em que mais vale pagar um pouco do que correr para a falência ...). Os dedos, pura e simplesmente, somos nós.
É possível um Portugal melhor. Basta querer.
Sem comentários:
Enviar um comentário