domingo, março 27, 2011

O FMI e Portugal

Confesso que sempre me baralhou esta relutância da nossa classe política em recorrer ao FMI. Não tanto pela relutância em si, mas antes pelo consenso que parece reunir.

De facto, o recurso ao FMI, ou ao Fundo Europeu que é a mesma coisa com ou sem participação do FMI(que, diga-se, é a instituição com mais experiência neste tipo de situações), é uma válvula de escape que se impõe quando os Países chegam a situações de endividamento tal que começa a ser provável que não consigam financiar as suas necessidades monetárias e financeiras. O anormal, portanto, não é o recurso ao FMI; anormal é o percurso anterior que conduz à necessidade de recorrer ao FMI.

No caso português, na minha humilde opinião, é duplamente anormal. Primeiro pelos esquemas de desorçamentação a que recorremos há anos, para "fingir" que temos uma situação orçamental equilibrada ou a caminhar para isso, num processo em tudo semelhante à fraude grega, embora conduzido de forma mais elegante e menos descarada. Muita gente sabe e muita gente fala, há anos sublinhe-se, que as dívidas de CP, Refer, NAL, NAVE, Metro de Lisboa e do Porto, etc. etc, são de facto dívida pública encapotada, porque as receitas são essencialmente transferências do OE. Em segundo lugar, é anormal, por causa do desbaratar de dinheiros públicos em projectos megalómanos que deram cabo da nossa economia e hipotecaram o nosso modelo económico. É verdade que isso se agravou muito nos últimos anos, mas o problema já vem de há muito tempo. A única surpresa, no meio disto tudo, ainda é a resiliência das nossas empresas privadas que, contra tudo e contra todos, continuam a manter uma dose muito razoável de competitividade e a aumentar significativamente as suas exportações - significativamente na medida em que o conseguem a ritmos muito superiores aos do crescimento económico nacional, apesar ou contra as dificuldades de financiamento. Tirando o sector financeiro, obviamente, que engordou a financiar as PPP ao ritmo das ilusões oníricas dos nossos governantes e o consumo dos particulares, bem entendido, ao ritmo da incompetência e incúria dos responsáveis do Banco de Portugal que, aparentemente, não perceberam que mais tarde ou mais cedo os juros subiriam, nem anteciparam as dificuldades ou, ao menos, o risco de dificuldades orçamentais que agora nos afogam, nem muito menos se preocuparam em separar trigo de joio, nem mesmo quando a actividade bancária roçou a mafiosidade e a criminalidade...

Por tudo isto e para pôr um fim a isto tudo é que me parece fundamental que o País recorra rapidamente ao FMI (= Fundo Europeu). Sem despudor e com humildade. Ao menos para nos virem os estrangeiros dizer o que nós não queremos ou não sabemos assumir; como este senhor do banco central austríaco que afirmou sem hipocrisia que "faz sentido económico Portugal recorrer ao FMI" (ver aqui no Sol). Claro, na medida em que o juro a pagar seja menor do que aquele que o Estado possa conseguir nos tão mal afamados "mercados". Infeliz e brevemente o veremos, já em Abril.

Por tudo isto e para pôr um fim a isto tudo, é que não compreendo as movimentações actuais da nossa classe política para tentar "tapar o sol com a peneira" e não falar do verdadeiro buraco português, da sua verdadeira dimensão, ou sequer do desejo de o conhecer. Folhear o Expresso desta semana foi esclarecedor. Não me parece democraticamente correcto, nem formalmente admissível. Democraticamente, porque o Povo, neste caso os contribuintes mais do que os eleitores, têm direito a conhecer a realidade. Formalmente, porque quem ambicione a chegar ao Governo tem o dever de expôr e conhecer a verdadeira situação.

E as autoridades europeias que se lixem; se não quiseram ser exigentes no passado, que aguentem agora com as consequências da respectiva incúria. E até é melhor que o façam já, se querem realmente evitar que a situação venha a contaminar a Espanha - o que duvido que ainda seja possível.

Mais uma vez arriscamos a pagar um preço alto para defender a honra de uns senhores que não a tem. Se tivessem não tinham deixado o País chegar até aqui. Esperemos que alguém tenha coragem para o fazer. Esperemos que seja o CDS, e a breve trecho, porque se não fôr mais ninguém será - à esquerda populista e trauliteira isso não interessa, porque pode implicar mais sacrifícios e mais privatizações; o que, aliás, me parece inevitável. Como dizia a minha Avó, "vendem-se os anéis para salvar os dedos". Neste caso os anéis são, ou deviam ser, todo o património do Estado que não esteja directamente ligado à soberania (e mesmo aí, se calhar ainda há coisas a vender) e a dívida decorrente das PPP que ainda se possam suspender a nenhum ou algum custo (desde que economicamente sustentável, há muitas situações em que mais vale pagar um pouco do que correr para a falência ...). Os dedos, pura e simplesmente, somos nós.

É possível um Portugal melhor. Basta querer.

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