quarta-feira, novembro 17, 2010
Desabafo politicamente muito incorrecto
Vai para 3 semanas que me reinstalei no Porto.
Vou-me entretendo a remobilar o T1 que aluguei na Foz e talvez seja isso que me foi distraíndo da realidade que me cerca. Mas esta tarde, ao regressar da Baixa no 207, só consegui lugar sentado num banco de costas para o motorista. Ou seja, podia perscrutar tranquilamente os rostos dos meus conterrâneos companheiros de linha e, olhando pela janela, via a cidade às arrecuas.
É sobretudo gente feia, gorda, escura, zangada ou doente. Um tipo olha para fora e só vê lojas velhas, tapumes sujos, vidros partidos, lixo e mais gente com ar de vir do hospício ou ir ao cemitério. Bem sei que nos meus horários e nos meus trajectos é previsível encontrar os colegas reformados, as idosas em muletas ou a canalha em regresso de escola. Mas até os mais jovens e as crianças me parecem saídas de um filme negro e as risadas não respiram futuro.
Os arrumadores que afinal ainda arrumam não são homens nem são gente: são uns homúnculos em fase terminal, amarelos e esquálidos, de barba sem vitamina e de olhos escavados e pequeninos.
As ruas, sendo as mesmas onde cresci, parece que encolheram. Tudo é estreito e acanhado. Exactamente como sempre foi, há 50 anos ou há 100 ou 200. E deve ser essa permanência que as diminui, ou então se algo muda ou mudou terá sido para pior.
Claro que na Foz o tripeiro vinga-se desta agonia anunciada e é ver umas damas loiras e de óculos escuros ao volante de Jeeps e Suvs a buscar os pimpolhos à porta do Colégio Inglês ou do Lycée Français. Mas até o comércio se afunda entre confeitarias, pastelarias, cafetarias, quiosques, agências bancárias desertas e restaurantes que não passam de casas de pasto. Mas ao menos ali há mar, que é como quem diz, há um horizonte e uma promessa de outras costas. Deve ser por isso que aquela Av. do Brasil é invadida ao fim-de-semana por uma chusma de joguistas, ciclistas e outros passantes em fato de treino, todos a fugirem da semana passada e a ver se apanham algo que o oceano lhes traga da outra banda.
O Porto está morto mas esconde-se essa evidência. Mesmo as árvores que resistem de pé parecem abandonadas ou esquecidas de que lhes competia ceder o lugar a outras mais frescas. E apetece dizer em segredo aos jovens que se vestem de preto naquelas capas universitárias: fujam!
Ao regressar ao meu T1 e enquanto espero que o baixote da R. da Picaria me traga o estrado e o colchão que ali ontem encomendei, dou-me conta que esta é a minha Veneza e que agora cabe-me descobrir o meu Lido e deixar que ocorra o que tem de ocorrer. Escolhi bem.
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espreita Lisboa e faz uma comparação... talvez seja tudo igual, mas tenho curiosidade de a ver com os teus olhos!
ResponderEliminarbeijinhos mil
Bem vindo ao Porto!
ResponderEliminarFRF
aniki bóbó
ResponderEliminarBem vindo, Chico.
ResponderEliminarPara a pipafialho, é uma boa proposta essa, vamos ver qual a resposta, da última vez fiquei verdadeiramente espantado com a sujidade e abandono.
Quanto ao Porto, tens alguma razão no ar deprimido que se respira na cidade, mas há alguns focos, que não os jeeps e outros, que ainda nos fazem manter alguma esperança de melhoria.
O FCP, alguns jardins, algumas personalidades que continuam por cá e alguns núcleos empresariais, inteletuais e científicos com obra feita e renome internacional que se mantêm vivos e atuantes.
Há que motivar a gente nova, encontrar uma liderança capaz para a cidade e norte e pode ser que tornemos a ser uma das locomotivas da mudança.
Abr
Zé Manel Vasquez
Só espero, Chico, que dentro de 3 meses ou 3 anos, continues a ser capaz de olhar o Porto com a mesma objectiva grande-angular que utilizaste no autocarro 207 de regresso à Foz. Sem que nunca te habitues.Nem às "risadas que não respiram futuro" nem às ruelas que não páram de encolher. E se mesmo assim conseguires ter o teu Lido, talvez que as damas loiras com óculos escuros passem a ir de Gondola levar-te os pimpolhos para que os ajudes a ver Veneza...
ResponderEliminarBeijo
Carocha
Escolheste bem........
ResponderEliminarum beijinho
Isabel
Espero-te em Bruxelas... :)
ResponderEliminarBem Vindo e Bom regresso
ResponderEliminarÉ sempre importante ouvir (ou ler) do que vê, quem tem olhos e não é cego.
Quando o acaso o leve a parar pela Fonte da Moura, era agradável um café e conversa...
Um abraço
Neri
Há nessa narrativa um unico aspecto muito postivo...o regresso e a satisfação por esse mesmo regresso.
ResponderEliminarQuanto ao mais não posso estar mais de acordo. Tenho escrito aqui muitas vezes
sobre o atraso e o deserto em que o Porto se transformou. Deserto cultural, economico e politico.
Os que cá vivem tendem a perder este sentido critico e a conformarem-se com pouco.
Na minha perspectiva, as coisas só melhoram no dia em que o Porto e a região forem liderados por alguém com dimensão, com Mundo e com visão. Até lá estamos entregues a "broeiros" desprovidos de visão ou de ideias.
um abraço e bem vindo
Boa prosa!
ResponderEliminarNão é que se esteja à espera de um verney, mas é preciso ajudar a alargar as vielas.
Um abraço
JAC
Excelente descrição da realidade. O problema é que os que confundem o Porto com o FCP (e são quase todos) não querem ver esta realidade e continuam a insistir na grandeza da cidade, confundindo-a com a grandeza do FCP. E sem esta tomada de consciência do verdadeiro estado da cidade, nada vai mudar.
ResponderEliminarNão vim aqui para falar de contextos políticos ou desastres económicos, mas permita-me discordar da descrição que faz das gentes da cidade. Num texto que já escrevi há muito tempo, dizia que o Porto tem feitio de velho ressabiado - e assim o é. Mas acredito na sabedoria do gajo. Vivi e cresci com ele. Na área das artes, e falo por experiência própria, há um sem número de grupos e pequenos movimentos que se mobilizam para criar um circuito alternativo artístico digno de conhecimento. Para não falar de Serralves que é mais que oficial, caminhe-se por ruas como a Rua do Rosário, Miguel Bombarda ou Almada para perceber o que digo. Na rua da Picaria há, por exemplo, uma galeria dedicada apenas ao desenho e ilustração - criar um espaço com esta especificidade revela o interesse dos espectadores portuenses. Há uma espécie de sub-cultura portuense, que é forte, evidente e revela algo das pessoas que aqui vivem. Em relação à vida na baixa, é certo que a quantidade de lojas com cheiro a mofo e as casas abandonadas dão um ambiente quase de holocausto a certas ruas, mas é preciso deixar a noite chegar para ver a gente que se junta num sem número de novos bares que nos últimos anos abriram no centro da cidade. É notável esse investimento por parte dos comerciantes e que, felizmente, deu frutos. Também não é certamente por ser uma cidade moribunda que o Porto cada vez tem mais turistas, de todas as idades e partes do mundo. Trabalhei num hostel 3 anos e viajava na cidade através desta gente. No Porto não se vive apenas como há cem anos atrás, mas também: é um dos poucos sítios do mundo em que na mesma rua podemos podemos encontrar uma loja de botões com o dono quase a morrer lá dentro, ao lado de um barzinho novo com música electrónica. E não é essa também a sua magia? O Porto é um velho cheio de manias e por isso não se desfaz facilmente do passado. Não apresenta nem ostenta, esconde pequenos tesouros. Mas posso garantir-lhe que há netos e parentes que, sozinhos e sem ajudas, ajudam a criar novos brilhos e esperanças. Será que é desta que o vou conhecer? Beijinhos, Maria Sottomayor.
ResponderEliminarps: Já em relação à Foz concordo com tudo o que disse. Actualmente pouco se cria naquela freguesia, a não ser o incentivo ao novo riquismo e faxas para cicilistas que irritam de tanto se proliferarem. Valha-nos o Atlântico.
Que sejas muito bem retornado a esta cidade que, tenho de concordar com a Maria, não ostenta mas fervilha! E a questão é mesmo essa: falta-nos apenas uma alavanca para arrancarmos e mostarmos a nossa força. Força que se faz de contrastes, de ruas estreitas e quase desertas que à noite se alargam e se enchem de gente. De lojas que parecem cair de podres que de repente se transformam em edifíos lindíssimos e cheios de personalidade. Apenas lamento que no meio disto haja umas mentes iluminadas e modernistas que queiram roubar ao Porto a sua face antiga e nobre com umas obras megalómanas e que nos tiram a traça. Porque não fazer esses símbolos do despesismo onde ainda não existe nada e deixar ficar os símbolos da cidade que a marcam, como os aliados ou a cordoaria, ou mesmo a dita avenida brasil, para os transformar todos em discípulos de siza?
ResponderEliminarO Porto e as suas gentes são assim mesmo: tímidos e recatados, mas quando lhe há alguém que lhe puxa pelo brio das gentes do Norte, é vê-lo arregaçar as mangas e ir à luta!
Por isso, força Chico!
Beijinhos,
Luísa Campos
[por motivos que desconheço, o blogspot não me permitiu publicar o comentário todo de uma vez. vou ter que o dividir. pelo facto, a todos peço desculpa.]
ResponderEliminarPARTE 1
Olá Chico,
Primeiro que tudo, ainda bem já cá está. Precisávamos de si, caramba! Tenho a certeza de que, em breve, e depois das pinceladas de cor (algumas) que já vi nas rabanadas anteriores, tudo ficará menos escuro, no Porto que os seus olhos vêem. Estou com a Maria Sottomayor.
Não é minha intenção, com este comentário, corrigi-lo (nem pensar!). Quero, sim, mostrar-lhe um caminho que, talvez, os seus olhos se interessem em procurar, passando a usufruir de vistas mais "luminosas".
Eu vejo um Porto diferente. Não na forma – é verdade que as ruas são estreitas, há um sem-número de lojas a cheirar a mofo e a desarrumação dos arrumadores é representativa das políticas de histeria personificadas na histérica personagem que tem vindo a ocupar a Presidência da CMP. Mas no conteúdo.
O Porto é o que o deixaram ser. É só isso, mas também é mais. É o que alguns bravos e Invictos continuam a atrever-se a ser, através de uma série de iniciativas, individuais ou colectivas (mas sempre privadas), que têm proliferado e alimentado o Porto na sede de cultura que nunca se cansou de manifestar (e que se viu, na reacção à venda do Coliseu em 1995 e, mais recentemente, na organizada e, infelizmente, infrutífera, Rivolição).
Sem apoios, sem retornos, sem lucro que não seja o esvair de um sentimento, o manifestar de uma intenção, o assumir de uma vontade de encher o Porto de vida.
(CONT.)
PARTE 2 (cont.)
ResponderEliminarDesde as artes, de que já falou a Maria, às iniciativas estudantis (muito para lá dos trajes e das Queimas, passam por Cafés Filosóficos, debates sociais, workshops de educação, ciclos de cinema, colóquios de ciência, associações de estudantes de arquitectura que conseguem mobilizar os mais variados estratos da sociedade para ir, ao frio e num dia de semana à noite, supreender os intervenientes de uma Assembleia Municipal e intervir contra o assassinato do Bolhão....), ao lazer (proliferam as escolas de surf, de hipismo, de futebol para as criancinhas, de patchwork para os adultos, as associações culturais e de intervenção no espaço, organizadores de eventos, festas nocturnas, mercados diurnos de 2a mão, campeonatos de skate, lançamentos de livros que ninguém conhece e o Porto passa a conhecer...), à ciencia (clubes da natureza, observação de estrelas, actividades ecológicas que lutam por conseguir os apoios mínimos das juntas de freguesia e/ou IPSS’s para funcionar em infantários e lares de 3a idade), jovens que continuam a arriscar, contra o pânico dos pais, e a formar pequenas empresas, pequenas sociedades, pequenos projectos que realizam os seus sonhos e as necessidades dos outros........isso tudo acontece cá dentro, todos os dias, semana ou fim de semana. Isso tudo é fruto da iniciativa de jovens que todos os dias ouvem que têm o futuro hipotecado mas continuam a produzir, a criar e a conseguir. Jovens que continuam a olhar para o Porto com o mesmo olhar com que o olharam os visionários do Vinho do Porto, ou os soldados liberais que nunca se deixaram conquistar, ou os que guardaram para si as tripas e ofereceram a melhor carne. São estes os jovens que continuam a ver no Porto, nas suas ruas sujas, estreitas e escuras, nas suas lojas bafientas e nos seus "velhos do Restelo", um lugar que pode oferecer, como diz a Maria, "novos brilhos e esperanças". São jovens como eu e ela, que tentamos (em vão) fazer caber nos 4,096 caracteres permitidos pelo blogspot, a força com que acreditamos na cidade onde queremos viver – por tudo o que ela não é, mas que pode perfeitamente (e tenta todos os dias, pelas mãos de muitos) vir a ser.
Chico, no fim de tudo isto, deixe-me fazer-lhe uma proposta: aceite-me como guia por um fim de semana. Tire os óculos de Europa e venha passear pelo Porto. Quem sabe não é assim que descobre o seu Lido? Comigo, com o meu pai e com um grupo de jovens e menos jovens, criteriosamente seleccionado para lhe dar a conhecer a montanha de coisas boas (e Invictas!) que a cidade tem para oferecer. Estou a falar a sério, fico à espera da resposta para podermos marcar!
Olhe que se o Chico deixa de acreditar então sim, isto está tudo perdido! :)
Um grande beijinho,
Ana Vasquez
PS - Que não se confunda, por favor, o meu discurso com irrealismo, bairrismo, ou despeito. Tenho consciência do que está mal; estou ciente do tanto ("tantíssimo"!) que há por fazer; mas sinto-me na obrigação de abrir as portas e "arejar a casa", de mostrar todas as coisas boas que acontecem por aqui e que mal se vêm. Porque estão escondidas. Há sobre elas um alçapão que não lhes permite mostrarem-se em todo o seu esplendor. O Porto não ostenta. Mas devia.
Aí o canto da sereia... do berloque
ResponderEliminarO Porto nunca será Zurique, por mais pistas para ciclistas que lhe implantem. Espero que não. Mas podia ser limpo e ordenado.
ResponderEliminarNunca será chique, por mais que as damas da Foz se encham de bijutaria (e se se enchem!!!...) e que os maridos cinquentões metam calças vermelhas ou cor-de-rosa. Mas pode ser (e é, de facto) distinto e ter a sua própria galanteria, muito diferente da fineza um pouco efeminada de outras paragens. Quando era criança ouvi um senhor na baixa insultar outro chamando-lhe "manequim de Paris". Diz tudo.
Nunca será sofisticado, a não ser nos altares das igrejas barrocas, nas paisagens à volta e na literatura que sempre produziu. Já não é pouco.
As ruas não vão alargar-se, mas ainda bem. Avenidas novas podem ficar para os outros.
Para além dessa permanência que define a cidade e faz o seu encanto, o que tu vês de extremamente desaprazível, tem um nome: pobreza. Sempre existiu, mas está a aumentar a olhos vistos e vai crescer ainda mais. Com a pobreza vem a dificuldade da vida quotidiana que se vê na cara das pessoas e na dureza dos gestos.
A juventude do Porto é extremamente activa e criativa, como dizem, bem, a Maria e a Ana. Os novos Eças, Ramalhos e Camilos. Mas a cultura e o lazer não fazem uma sociedade funcionar. É preciso economia, e essa definha. Quem fez Serralves? O têxtil. E S. Francisco? O Brasil.
Pedindo licença ao Pedro Andrade, transcrevo o comentário que fez num mail ao texto da Ana: "Fez-me lembrar o final da peça do Tchekov, O tio Vânia. A casa está arruinada, a empresa vai falir, a quinta está ao abandono e já nem dinheiro há para comer. Mas a sobrinha continua a dizer ao tio: - Não te preocupes tio, há-de vir uma nova luz, tudo há-de melhorar. E não é assim tão mau como isso. Vem, eu mostro-te a beleza de tudo isto. A sobrinha chora. E devagar, a cortina fecha. Terminou a peça."
Por isso me parece que algumas das energias que a juventude coloca na criação artística deviam ser encaminhadas para coisas mais prosaicas, mas mais produtivas…
E, seja como for, o que descreves é o retrato do país inteiro. Ao menos o Porto - e o Norte em geral - tem dentro de si a energia que lhe vai permitir sair desta miséria.
Abraço
Fernando
Bem hajas, Maria Sottomayor!
ResponderEliminarMuito interessante estas diferentes visões sobre o Porto...que me sugerem que nos deviamos reunir aqui em casa a discutir este tema tão interessante e importante.
ResponderEliminarA minha perspectiva é mais próxima do post do Fernando.
No entanto acho que deves aceitar o desafio da Ana fazer de guia e mostrar-te o dito Porto.(acho que não vais encontrar o Lido..)
Parece-me que a realidade é bem diferente do relato naif que a Maria e a Ana fazem.
Os exemplos que dão na realidade não passam de meros fugachos sem qualquer relevancia, regional, nacional ou internacional.
O Porto e a região norte definham a olhos vistos e ignorar esta crua e triste realidade não é a solução.
Do final do século XIX até aos nossos dias que o Porto tem vindo a perder importância e dimensão.
E meia duzia de bares pindericos e uma loja na rua da picaria não são, seguramente, sinal de outra coisa que não seja a triste dimensão da nossa realidade.
Quem me conhece sabe bem o quanto eu amo esta cidade e a angustia de a ver cada vez mais sem rumo certo...
a bem da Nação!!!
Francisco
Realmente... a verdade é que mesmo ao ler este post, enquanto pensava "Meu Deus, o Porto é realmente assim?", só me apetecia ir para lá!
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