sexta-feira, julho 09, 2010

Hospitais de LVT custam mais, mas produzem menos

Durante a última semana, foi publicada num jornal diário uma notícia, que dava conta que o «O Ministério da Saúde vai gastar, este ano, 735 euros com cada habitante do Norte e 1169 euros com os de Lisboa e Vale do Tejo (LVT). Ou seja, uma diferença de 434 euros per capita por região» de acordo com um relatório encomendado pelo próprio Ministério da Saúde, que continua: «Se compararmos os três principais hospitais sob a alçada da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental e Centro Hospitalar de Lisboa Central) com os três principais da Administração Regional de Saúde do Norte (Hospital de S. João, Centro Hospitalar de Gaia-Espinho e Centro Hospitalar do Porto) encontramos também muitas divergências (…) Em 2008 (os relatórios e contas de 2009 ainda não estão disponíveis), aqueles hospitais de Lisboa tinham mais camas (39%), mais profissionais (33%), recebiam mais verba do SNS (25%), tinham mais custos (39%), mas produziam menos do que os do Porto, realizando menos 24% de cirurgias.»

Embora o Ministério da Saúde se tenha apressado a relativizar o resultado do referido relatório, salientando que «a análise de qualquer eventual cálculo de financiamento per capita não pode deixar de ponderar as efectivas necessidades de saúde das populações», não deixa de ser inquietante depararmo-nos com uma diferença tão significativa de custos e produtividade entre as duas referidas regiões. Nem tão pouco, uma apressada desvalorização ministerial, poderá tranquilizar o já tão penalizado contribuinte.

O relatório levanta duas questões, a meu ver, importantes para análise: (1) Será que as diferenças encontradas podem ser justificadas por uma diferença nas necessidades de saúde das populações? (2) Que diferenças organizacionais existem no Norte que permitem obter tais ganhos de produtividade e com tão baixos custos comparativamente com as de LVT?

Em relação à primeira questão, penso que a resposta é não: as necessidades de saúde das populações não podem justificar diferenças de produção e custo tão significativas. Há ainda mais dados oficiais que reforçam esta disparidade entre regiões. De facto, quando consideramos o tempo de lista de espera para cirurgia, de acordo com os próprios dados oficiais da Unidade Central de Gestão de Inscritos para Cirurgia referentes ao ano de 2007, a região de LVT não fica favorecida na estatística: «As regiões de LVT e do Centro são as que apresentam medianas de tempo de espera dos episódios em LIC mais elevadas, com 4,8 meses, seguindo-se a região do Algarve com 4,4 meses, a região Norte com 3,9 meses e por último o Alentejo com 2,7 meses.». Ou seja, os serviços de saúde hospitalar na região Norte respondem melhor às necessidades populacionais de cirurgia, apesar de o financiamento per capita para a região de LVT ser superior à do Norte!
Em relação à segunda questão, não há, de todo, uma resposta consensual: há quem advogue que no Norte há uma menor tolerância da Administração Central para o desaproveitamento; há, por outro lado, quem advogue que a diferença reside no recurso mais descomplexado na região Norte a serviços complementares ao SNS, nomeadamente prestados pelo Sector Social (Misericórdias); há, por fim, quem advogue que a maior pressão da Medicina Privada na região de LVT (maior riqueza com uma extensa oferta de serviços privados hospitalares) seja uma das causas desta diferença.

O relatório vem confirmar uma inquietação que havia em alguns meios hospitalares do Norte, fruto de uma comparação informal de experiências entre médicos pertencentes às duas regiões. Uma inquietação que a justificação do Ministério da Saúde não conseguiu fazer cair por terra.

No entanto, o que se torna imperativo agora, mais do que acentuar clivagens, é o debate sério e construtivo destes dados oficiais e procurar identificar as causas destas assimetrias regionais, de modo a que, ao corrigi-las, se melhorem os cuidados de saúde e desse modo, se atinja uma maior coesão social e regional.

Por Miguel Lume

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