domingo, maio 02, 2010

Dia da mãe



« Quando o Tio-avô Abel, aquele que vivia em Lisboa e coleccionava bengalas, soube do arranjo franziu o sobrolho. Ele conhecia bem o sobrinho Alberto e aquele casarão de Setúbal, pois ali se instalara nos primeiros tempos do seu desembarque da vida de marinheiro, até se convencer que essa situação não lhe convinha ou que já se fartara da beatice beringelense.

Começou a aparecer e a dar palpites : ‘ Esta menina precisa de professores ! ‘, ‘ Não é a rezar um terço por dia que se a prepara para a vida ‘, e adoçava o tiro desembrulhando uma garrafa de capilé ou pousando na mesa um pacotinho de doces de ovos que mandara vir de Coimbra. ‘ Ó Alberto, trata-a como uma filha e não deixes ninguém tratá-la como uma criada ‘.
O Tio Abel conversava com a nossa mãe, a vigiar-lhe o olhar ou as olheiras, mas tudo parecia bem e partia descansado, com o alívio da missão cumprida e um certo gozo por ter enervado a latifundiária e espicaçado o sobrinho. À porta, punha a mão sobre a cabeça da sobrinha-neta e desabafava : ‘Pensam que há muitas Camilinhas, mas Camilinhas há poucas ‘. Ora nem mais.

Arranjaram um professor de pintura, contratou-se uma professora de arte aplicada, começaram as lições de piano, organizaram aulas de lavores e por aí fora. Quando chegou o Verão, regressou ao Casalinho a gozar Julho e Agosto e a folgar do terço ajoelhado e daquela resma de santinhos tristes que povoavam a cómoda da Tia.

Em Setembro, ninguém lhe perguntou se queria ficar, talvez porque nunca se queixou de nada, e numa manhã clara reabalou para Setúbal e ia mais serena, tinha acabado de festejar os seus 14 anos e levava mel e arrufadas para os tios. »

In « Conversas com a mãe » de ‘douro’

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