terça-feira, março 09, 2010

A locomotiva portuguesa

Há, simplificando como convém para estes fora, dois modelos de desenvolvimento dos países europeus.

Num, dominante nos países da Europa da cerveja (a norte de uma linha que passa a meio, mais ou menos, da Bélgica), os países desenvolvem-se através da afirmação de uma rede de cidades, umas maiores outras menos, por vezes com uma capital algo mais importante, mas de qualquer forma com grande desconcentração administrativa, por vezes também política, e uma enfâse muito especial nas "comunas", algo de intermédio entre as nossas freguesias e os nossos municípios, mais perto da dimensão das primeiras e com mais competências, político-administrativas, do que estas últimas.

Estes países, pela minha experiência, funcionam bem porque, acima de tudo o mais, têm uma dimensão humana. E isto, para um cristão-democrata, não é de somenos.

No outro modelo, o dos países da Europa do vinho (a sul da referida linha imaginária, na minha geografia personalizada), as sociedades desenvolvem-se em torno de uma capital que assume predominâncias de diferentes graus; maior no caso francês, menor no caso espanhol (por razões étnico-políticas) ou italiano (por ausência de condições ou vontade de afirmação de um estado forte, pouco importa).

Pelo meio ficará o caso inglês, que tem especificidades muito próprias, pois apesar de Londres, ou talvez por causa disso mesmo, no resto do País é essencialmente um país de redes de cidades; ainda por cima com laivos de antropocentrismo racionalista e personalista que vinca o carácter atlântista (ou americanista, como preferirem), dos ilhéus. Mas, também, os ingleses são um povo da cerveja que adora vinho...

Todo este arrazoado a que livremente recorri, releva apenas para sublinhar um ponto: este Governo, como muitos dos seus antecessores, opta claramente pelo segundo modelo.

Isto não seria muito grave, se esta opção, que tem décadas - pelo menos todas as da democracia, para não pretender ir mais longe - se esta opção, dizia, estivesse a ter efeitos positivos, enquanto "locomotiva" do desenvolvimento do País.

Ora, o que é que verificamos: a capital tem enriquecido, é verdade. Mas à custa do desordenamento mais completo, e desgraçado, dos seus arredores. Numa palavra, a que me interessa, destruiu-se a humanidade da vida em cidade em larguíssimas percentagens do que é hoje a metrópole da capital. Com consequências sérias no sistema escolar, de saúde e na criminalidade/marginalidade.

Pior ainda, generalizou-se a mentalidade de funcionário público/subsidiodependência e outras dependências ainda mais desprezíveis.

E o resto do País empobreceu. Algumas regiões menos, outras mais. Com excepção da Madeira, claro. Pelas razões bem conhecidas e com os financiamentos divulgados.

Por tudo isto, ou essencialmente por isto, é que o País perde por menosprezar o Norte, as Beiras, Sines e o Alqueva, e o Algarve - não esquecendo o resto, naturalmente.

Perdemos nós, os cidadãos, em qualidade de vida. Perde o território, em desordenamento e desertificação. Perde o país, porque a nossa criatividade não se desenvolve, não medra, em regime de planificação central. Precisa de redes, precisa de liberdade e distância dos poderes: político, económico e financeiro. Como o demonstram os têxteis e o calçado. Que continuam, apesar de tudo, a dominar as nossas exportações industriais e não só. Ou as empresas biomédicas e informáticas, dos últimos tempos...

Ganha o espírito santo e os seus amigos.

Este é que é o verdadeiro problema do tgv para Madrid. E de Alcochete. E da terceira travessia do Tejo.

Por isto é que, após mais de oito anos, finalmente aplaudo uma atitude de Rui Rio. Esperemos que tenha vindo para ficar.

É possível um Portugal melhor. Mas é preciso querer!

6 comentários:

  1. Esta está girérrima. Dividir a Europa entre vinho e cerveja, por uma linha que cruza Bruxelas horizontalmente, que prolongada para a direita volta a dividir a Alemanha (agora entre norte e sul) e que prolongada para a esquerda se verifica que não sabe nadar (nem tomar o ferry) era algo que estava mesmo por inventar.
    E ainda diz que a nossa criatividade não se desenvolve?!...
    farripas
    PS (salvo seja): um Porugal melhor já existe, só que é muito caro...

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  2. É caro, sim senhor, e é para poucos de entrada exclusiva por portas onde não se pergunta pelo mérito... outros são os critérios.

    Quanto à geografia personalizada: saiba vossa senhoria que tenho vivido, felizmente, a quase totalidade das últimas décadas em cidades de dimensão humana. Daí a criatividade que elogia, o que reverenciosamente agradeço.

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  3. perdão: leia-se "e é para poucos e de entrada exclusiva, por portas onde não se pergunta pelo mérito... outros são os critérios."

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  4. Inteiramente de acordo com a análise da preversão que vimos sofrendo à conta do modelo "locomotiva Vale do Tejo". Uma observação complementar: o livro da SaeR (equipe de Ernâni Lopes)sobre as cidades ilustra parcialmente o porquê do definhamento das cidades que sofrem esse centralismo da capital. Existe um outro país europeu, e talvez só um, que seguiu igualmente o modelo "locomotiva" e o disparate das teses do "spill-over": a Grécia, que paga um preço desastroso por causa disso, com uma capital atafolhada e de péssima qualidade de vida e uma "paisagem" extra-muros atrasada ou cheia de criados de mesa.

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  5. Absolutamente de acordo. Não basta falar, há que agir. Vi há dias um programa em que falavam pessoas de diversos países, e uma da Dinamarca dizia precisamente que o governo lá privilegia a imaginação, a criatividade das pessoas. Precisamos lutar por uma identidade própria, não podemos mais continuar como carneiros atrás da locomotiva e, o que é pior, rumando sempre à capital!Eu quero, mas como é que se faz para começar a agir? Luísa Campos

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  6. Interessante questão, Luísa.

    Uma à qual tento responder todos os dias, em diversos contextos, de há vários anos a esta parte.

    Creio que o mais importante, porventura, é continuar a querer e a procurar quem queira como nós. Pode ser que um dia sejamos suficientes para realmente fazer alguma coisa - e isto não menosprezando o muito que sempre se vai conseguindo ao sensibilizar alguém para esta premência...

    Abraço solidário na preocupação. Boa busca...

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