domingo, fevereiro 07, 2010

Almoço no Infante Sagres

Havia uma serenidade no estar daquele casal que incomodava sem se saber porquê.
Pediam invariavelmente uma mesa de 4 lugares junto à janela, a colocar de esguelha de molde a que se sentassem lado a lado mas ambos de costas semi-voltadas para a sala.

Não dialogavam, conversavam a um ritmo muito particular, calmo mas interessado. Via-se que se ouviam, ainda que nem sempre houvesse réplica do outro. Era evidente que se respeitavam muito, embora sem preconceitos, sem etiquetas e sem rituais. A escolha do vinho era debatida a dois e uma vez decidida havia um olhar recìproco que traduzia uma cumplicidade e uma ternura sinceras.

Seguiam com curiosidade o movimento da rua e deixavam a impressão que o maior ou menor movimento no salão lhes era absolutamente indiferente. Não sei se se pode hoje em dia chamar velhos a pessoas que se aproximam dos sessenta anos (devia ser a idade deles); senão, dir-se-ia que haviam envelhecido bem, individualmente e como casal.

Respiravam um amor sàbio o que pressupunha talvez uma paixão antiga, vivida com ardor e sem tabus. Riam às vezes, sem constrangimento mas sem espalhafato.
Adivinhava-se-lhes momentos de entrega total, de proezas loucas em camas desfeitas e talvez por isso havia ao mesmo tempo uma grande nostalgia naquele pousar de mão sobre a do parceiro quando chegava a bica cheia, o chà de camomilha e os bombons, a prenunciarem o fim da refeição.

Apetecia servi-los. Mas ficava-nos um desconforto pessoal, talvez porque parecesse conhecerem uma felicidade não egoìsta ou porque transportassem uma història que era jà um passado.

Quando partiam, deixavam saudade, como se tivessemos acabado de ouvir o “Je te veux” do Satie.

6 comentários:

  1. Deixa água na boca...

    Para quando?

    Um abraço do

    JAC

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  2. Obrigado João.
    Um abraço

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  3. JAC

    senti que te estavas a fazer convidado, mas olha que apesar das mais recentes modernices o nosso douro não é homem de mariquices. e tu também não claro. abraços e já agora um almoço a três.
    carlos furtado

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  4. A pergunta é: para quando o inédito passará a édito.
    Um abraço do
    JAC

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  5. Proponho um final diferente:
    Quando partiam, deixavam saudade, como se tivessemos acabado de ouvir “Je veux um cigarrete”... sem filtre, comme d'habitude.
    cumprimentos,
    farripas

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  6. Excelente texto, muito bonito.
    Vou colar-me ao vosso almoço :-)

    Zé mexia

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