quinta-feira, setembro 17, 2009

O tgv e o interesse nacional

Está, outra vez, na moda discutir a oportunidade do TGV. Recapitulemos o que sabemos.

Portugal e Espanha têm as redes ferroviárias numa "bitola" (espaço entre os carris) diferente da Europeia. Isso significa que há grandes perdas de eficiência na passagem de uma rede para a outra, quando tal é possível.

Percebendo isso, a Espanha definiu atempadamente uma nova rede ferroviária, prevista para estar em funcionamento já em 2020. Pode vê-la aqui. Basta olhar para esse mapa para perceber onde está o interesse nacional. Portugal é "a frente ocidental" da rede ibérica, oferecendo grandes portos de mar com significativa capacidade de processamento de mercadorias, muita dela ainda por explorar devidamente; acresce que sem a rede espanhola, Portugal não chega à Europa além Pirinéus.

Portanto, as opções nacionais são evidentemente condicionadas pelas opções espanholas. Isso foi sendo negociado, é objecto de acordos entre os dois países e resulta na necessidade de Portugal aproveitar as linhas que Espanha colocará na nossa fronteira.

Numa óptica de interesse nacional, a Portugal interessa ligar os seus pontos de origem e de destino de tráfego. Entre si, em primeiro lugar; às ligações espanholas, que é como quem diz europeias, depois.

Há dois tipos de tráfego que interessa considerar: passageiros e mercadorias.

Infelizmente, o tráfego de passageiros tem dominado os debates sobre a rede ferroviária em Portugal. Para passageiros, os estudos de custo-benefício indicam que a linha mais rentável será Porto-Lisboa, sendo discutível se Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto-Vigo serão rentáveis. Portanto, decidir construir estas últimas dependerá sempre de outras considerações que permitam rentabilizá-las (por exemplo, facilitar o acesso da Galiza ao aeroporto Sá Carneiro).

É aqui que o tráfego de mercadorias ganha importância. Primeiro, o aproveitamento do potencial dos nossos portos de mar, "obriga" a que se construam as novas linhas já adaptadas para o transporte de mercadorias. Depois, a muito curto prazo, a capacidade exportadora das nossas empresas, sobretudo as PME que agora estão na moda, dependerá decisivamente da ferrovia, tanto para Espanha como sobretudo para a Europa além Pirinéus.

Daqui decorre que:

1. O interesse nacional impõe que as novas linhas sejam sempre mistas, isto é para passageiros e mercadorias (não é o caso da linha que a RAVE tem projectada para o Lisboa-Porto).
2. O interesse nacional obriga a que os Governos, sejam de que cor forem, assegurem que Espanha ligará Salamanca (Medina del Campo) à fronteira, para Portugal poder modernizar a linha da Beira Alta, ou construir uma nova, e assim ligar Leixões, Aveiro e todo o Centro e Norte industrial e exportador, tanto aos mercados de Espanha, como aos mercados da Europa além-Pirinéus.
3. Significa isto que, se Portugal não se acautelar, a Espanha bastar-se-á com a ligação por Badajoz, que não é interessante para as nossas empresas.
4. Obviamente, daqui decorre que Sines, Setúbal e Lisboa, terão de ficar ligados, mais tarde ou mais cedo, a Badajoz, em bitola europeia. Logo, os investimentos previstos em linhas de bitola ibérica (a actual) estão condenados a prazo - e a um prazo muito curto.
5. Portanto, a rentabilidade dos investimentos em "tgv" dependem de se construir linhas que suportem tráfego de mercadorias.
6. Se pensarmos em modernizar a nossa rede, para então sim, ficarmos ligados à Europa, então teremos necessariamente de equacionar as prioridades do transporte de mercadorias. Que se pode resumir assim: a) ligar os portos nacionais; b) ligar Sines, Setúbal e Lisboa a Badajoz; c) ligar Leixões e Aveiro a Salamanca/Medina del Campo (a prioridade entre as duas últimas é arbitrária, mas deviam ser simultâneas).
7. Ficar ligado à Europa não significa ter mais uma alternativa de transporte para passageiros. Mas significa seguramente poder exportar mercadorias com eficiência económica e energética. Logo, a prioridade são linhas mistas, não são linhas para 350 km/h.
8. Se todas as novas linhas forem mistas e para velocidades razoáveis até 250 km/h, é possível fazer toda a rede proposta, mais barato do que as linhas que estão previstas para a "rede de alta velocidade", muito antes de 2020.
9. Se for assim, não se põe o problema da rentabilidade do investimento; bem pelo contrário.
10. Se for assim, a defesa do interesse nacional face a Espanha, nesta matéria, passa por Salamanca/Medina del Campo. Para quem não sabe, localidades vizinhas de Tordesillas.

É possível um Portugal melhor. Basta querer!

2 comentários:

  1. Mais um texto do nosso especialista dos temas complicados. Imprimir e guardar.
    Abraço

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  2. Um Portugal melhor já existe.

    O problema é ser muito caro...

    Farripas

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