terça-feira, julho 07, 2009

O que é que sabemos sobre AV (TGV) ?

Que a Alta Velocidade é um conceito recente, que se começa a divulgar por essa Europa (e Mundo) fora, pelas potencialidades que oferece em alternativa aos meios tradicionais do carro (auto-estradas) e do avião. Resumindo, permite poupar muito tempo (=ganhos de produtividade para cidadãos e empresas, para a economia), poupar muitas vidas (=ganhos de contribuição para a sociedade) e diminuir substancialmente a poluição por km percorrido, quer por cidadãos, quer por bens transportados (=ganhos substanciais na competitividade das exportações e na sustentabilidade do modelo económico, para já não falar na dependência energética e no combate às alterações climáticas. (Entre parêntesis as chamadas externalidades dos investimentos em AV; em regra, positivos, senão mesmo muito positivos)

Que muita da AV na Europa não é em TGV. Aliás, a maior parte é em Velocidade Elevada (VE), do tipo do Alfa Pendular ou outro, que permite andar muito depressa (220-250km/h), mas não tão depressa como o TGV (300km/h ou mais).

Que a AV é substancialmente mais cara do que a VE. No material circulante (locomotivas e carruagens), na manutenção, na operação e muito especialmente na construção das linhas.

Que a AV, muito mais do que a VE que também o faz eficazmente, é particularmente vocacionada para ligar grandes centros urbanos (destinos, para simplificar) situados a distâncias entre 200 a 300 km e 1000 km. Isto porque para distâncias superiores, nas velocidades que se conseguem praticar hoje comercialmente, as vantagens da AV desaparecem face ao avião.

Crucialmente, sabemos que a AV circula em bitola europeia, que é diferente da bitola usada em Portugal (a dita bitola ibérica, larga ou convencional) e à qual está associado um novo, e harmonizado, sistema de sinalização e electrificação - qualquer um deles diferente do actualmente usado em Portugal, pese embora, em muitos casos, a compatibilidade da voltagem utilizada.

Que a bitola europeia é a que está a ser utilizada para "ligar" os sistemas ferroviários nacionais e, crucialmente, que por causa disso a Espanha tomou a decisão de construir a sua rede de AV nessa bitola e, para além disso, de "migrar" o restante da sua rede, no horizonte 2020, da bitola ibérica para a bitola europeia. Por isto mesmo:

Que Portugal não pode ficar de fora da "migração" para as redes de bitola europeia - possivelmente, algumas em AV.

Que a AV para passageiros se justifica entre destinos que oferecem procura suficiente ou com potencial suficiente para alimentar a operação da linha.

Que os investimentos nas infra-estruras, como as linhas de AV - mas igualmente nas estações, catenárias, etc. -, não são recuperáveis nem no médio nem no longo prazo. O que significa que também sabemos:

Que as parcerias público-privadas (PPP) de que se fala para suportar os investimentos nas linhas de AV, não investirão nessas infra-estruturas a não ser que alguém os compense por isso; nestes casos, terá de ser o lado "público" da parceria, que é como quem diz o Estado, ou melhor, Nós.

Que a criação de uma linha de AV, necessariamente, afecta a procura esperada quer para as auto-estradas paralelas, quer para os aeroportos servidos por essas linhas.

Que a ligação de Portugal à Europa não passa necessariamente pela AV. Passa, outrossim, imprescindivelmente pela bitola europeia. Que poderá ser em AV ou VE, para passageiros. Mas que terá de ser para mercadorias, para bem dos nossos portos e das nossas empresas. Que é como quem diz da nossa economia, e por isso mesmo, da nossa sociedade - nós e os nossos filhos e netos, que serão quem a pagará.

Que a criação de uma rede, ou a substituição da actual, em bitola europeia não poderá ser feita de uma assentada. Poderá passar por linhas novas, mas terá sobretudo de passar por uma calendarização, que deveria estar subordinada a uma prioritização, das várias realizações, de modo a fazermos o que podemos, à medida que podemos e de forma a pagarmos os investimentos tanto quanto possível com o retorno que possam gerar - mais uma vez, as mercadorias assumem preponderância nestas matérias.

Fundamentalmente, que os argumentos que nos tem vindo a ser apresentados pelas RAVE's, REFER's e outras CP's, NAL's etc., infelizmente estão sistematicamente enviesados por prioridades que nos são escondidas e por pressupostos que não são próprios das preocupações naturais de quem planeia, gere, constrói e explora redes ferroviárias. Em consequência, também sabemos:

Que falta debater com profundidade e frontalidade as vantagens e desvantagens entre a AV e a VE; nomeada e especialmente em matéria de custos vs tempo e outras valências ganhas (por exemplo, enquanto o TGV é uma tecnologia francesa que só é produzida em França e Espanha, a VE beneficia de várias tecnologias produzidas em diversos países europeus e outros o que, para além de baixar os custos do material circulante permite a negociação em clima de concorrência e, pormaior, a mais fácil transferência de competências para Portugal).

Que falta debater o "encaixe" entre a AV e a rede ferroviária, em particular na perspectiva da ligação de Portugal à Europa - muito especialmente à Europa além Pirinéus, para mercadorias; e o seu impacte nos nossos portos e nas nossas empresas.

Que falta debater as alternativas ao traçado das linhas de "TGV" de que o governo fala - não só na perspectiva dos custos de construção, mas igualmente no impacte ambiental e, crucialmente, sobre o ordenamento do território (em especial a travessia do Tejo e a opção por fazê-la mista para ferrovia e autovia, mas também o percurso entre Porto e Lisboa e, crucialmente, a travessia do Douro, entre outras).

Que o País, se não equacionar muito bem o que está em causa, integrada e globalmente, corre o sério risco de não ter recursos para o investimento necessário; de se endividar ainda mais no exterior; de asfixiar as empresas, em especial as PME, no acesso à liquidez necessária para o investimento; de optar por priorizar soluções luxuosas, não rentáveis, em detrimento de outras de mais rápido retorno (em particular para a exportação de mercadorias e para o desenvolvimento e aproveitamento dos nossos portos atlânticos - os primeiros da Europa, nunca é demais sublinhar).

1 comentário:

  1. Ora aqui està, penso eu, uma boa sistematização do problema. E sublinho um aspecto interessante: hà opções que servem melhor certos fornecedores e não serà por acaso que a Comissão Europeia pressiona para a AV/TGV em vez da VE, pois ela é nesta matéria um vector dos interesses franceses (e alemães?) em encontrar mercados para esses produtos.
    Quanto ao resto, de acordo para nos prepararmos para a bitola europeia.
    Bem haja, Ventanias.

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