segunda-feira, junho 15, 2009

TGV, porquê e para quê

Sempre fui céptico das opções nacionais sobre o TGV (como aliás, pelas mesmas razões, do NAL e da TTT; razões que, para resumir, se reconduzem aos interesses do centrão).

No entanto, à medida que se vai recolhendo informação sobre o que está em causa, começa a perceber-se que a transferência da actual bitola ibérica nacional, para a futura bitola europeia é uma questão da maior urgência. E importância, pelos valores em causa.

É urgente, por uma razão simples. Toda a Europa está a migrar, quem disso necessita, para a bitola europeia. Esta vai ser a bitola que permitirá a melhor e mais rápida circulação de mercadorias dentro da União Europeia. E, já agora, a bitola usada nas linhas de Alta Velocidade.

A Espanha percebeu isso, há já alguns anos, e tem estado a implementar um plano de modernização da sua rede ferroviária, que estará completo em 2020, com a migração praticamente total da sua rede para a dita bitola ibérica. Pelo caminho, modernizou muitas das suas principais linhas e criou a maior rede europeia de AV. O tal TGV de que tanto se fala, é um dos beneficiários.

Em Portugal, pelo contrário, estas questões não são sequer equacionadas. Pode parecer o contrário, mas a verdade é que só alguns carolas continuam a questionar este problema de fundo que é o da bitola da rede ferroviária. É aqui, nesta questão, que se joga a produtividade dos investimentos que se fizerem.

O Governo, aparentemente, tem um plano. Quer fazer duas (ou três, se quisermos ser generosos), linhas em bitola europeia. Lisboa-Madrid e Lisboa-Vigo (embora esta última se desdobre em duas, a primeira em AV, entre Lisboa e o Porto, a segunda em Velocidade Elevada - VE). Estas duas, ou três, linhas, por muito generoso que se queira ser, não são, nem serão nunca, uma rede ferroviária moderna. Mas podem (podiam é mais correcto) ser uma parte importante de uma futura rede, em bitola europeia. Sem essa rede, Portugal ficará de facto isolado da rede europeia de transportes.

O problema explica-se de forma simples. A construção de linhas ferroviárias custa, grosso modo, o quadrado da velocidade para que a linha é programada. O que quer dizer, que a progressão é geométrica. Assim, por exemplo, 100km para andar a 100km/h, custariam 1 milhão; os mesmos 100km para andar a 200km/h custariam 4 milhões e se fosse para andar a 300km/h custariam 9 milhões. Números estes que são meramente demonstrativos, visto que os números reais dependem ainda das diversas dificuldades construtivas que podem ser acrescentadas (orográficas, expropriações, etc.).

Em Portugal, existe uma RAVE que tem por única e exclusiva preocupação a programação das linhas de AV ou VE, para passageiros. E aqui reside o busílis da questão. Fazer uma rede ferroviária esquecendo as mercadorias, que é como quem diz, as empresas exportadoras e os seus produtos, é hipotecar a via mais provável, se não mesmo a única, de rentabilização destes investimentos. Numa palavra, é criminoso. Mais ainda, agora que a actual crise económico-financeira veio demonstrar a falência do modelo económico português e ameaçar seriamente as possibilidades do nosso futuro colectivo.

Não debater estas questões é uma questão de cegueira colectiva. Estamos a hipotecar-nos e aos nossos filhos, para aproveitar (mal, sublinhe-se) umas percentagens relativamente baixas (comparando, por exemplo, com as que a Espanha obteve, a seu tempo) de apoios europeus.

Pior ainda, as decisões que agora se tomem sobre estas matérias, condicionam muita da viabilidade de outros investimentos conexos; por exemplo esse erro monumental que parece ser o da colocação da TTT no Barreiro - agravada ainda pela função dupla de ferrovia e autovia; ou o NAL, sobretudo se for em Alcochete; ou ainda a questão seriíssima da passagem da linha Porto-Vigo pelo Aeroporto Sá Carneiro; ou a imbecil construção de uma terceira via em bitola ibérica, ao lado da via Poceirão-Caia em AV, para manter os portos de Setúbal e Sines de fora da rede peninsular de mercadorias, apesar desse simulacro de ligação à fronteira; ou essa cretinice do aeroporto internacional de Beja, desconexo da rede ferroviária...

Normalmente, as decisões deste tipo são feitas pelo bloco do centrão. Neste momento, o Governo do PS tem um mau projecto que está a querer fazer andar a toda a força, porque não teve dinheiro para o fazer andar calmamente nos anos anteriores do mandato. Pelo contrário, o PSD está anquilosado nas visões orçamentalistas da sua líder, que apenas sabe ver o perigo do actual modelo, sem apresentar qualquer alternativa. E da guerrilha política que lhe vem atrás, neste período de aquecimento para as legislativas.

Esta é, parece-me, uma oportunidade única para alguém falar em nome do futuro do País. Separar bem as águas, defender os investimentos que fazem sentido e inviabilizar os outros. Pensar a necessidade e urgência de uma rede moderna de ferrovia, promover a maximização do retorno dos investimentos (modernizando onde é possível, construíndo onde é necessário) e defender a imprescindibilidade da rede servir o transporte de mercadorias, para maximizar o aproveitamento do potencial dos nossos portos.

Que bom que era que o CDS estivesse atento.

É possível um Portugal melhor. Basta querer.

2 comentários:

  1. O TGV está para portugal (numa óptica de longo prazo, como é obvio...) como a Av. da liberdade está para Lisboa. É claro que Roma e Pavia ...

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  2. Caro rouxinol, nem Roma e Pavia se fizeram num dia, nem ninguém, muito menos uma família ou um país, deve ter mais olhos que barriga... ou dito de outra forma, grão a grão enche a galinha o papo.

    Quero dizer que se nos empenharmos em construir uma rede ferroviária, podemos ir construindo as suas componentes passo a passo e à medida das possibilidades e necessidades.

    Mas, para isso, é preciso debater as prioridades - neste caso, perceber claramente que sem mercadorias estes investimentos não terão retorno.

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