sábado, junho 13, 2009

O Homem-das-ideias-extravagantes

« Você já assistiu, sem sombra de dúvida, a alguma conferência entre portugueses, quando se discute um plano de acção, uma proposta, uma ideia...E que notou?
Espere. Não diga nada. Eu vou dizer-lhe o que você notou. Um minuto depois de ter pedido a palavra, o primeiro orador já contava uma história. Um episódio qualquer da sua própria vida, uma anedota, uma brincadeira, um caso,- eu sei lá! Uma história: está dito tudo. E daí em diante, -esse, e outro orador, e outro, e outro, e outro, e outro, e o presidente, e o secretário, e o subsecretário, e o contínuo, e o porteiro, e o bichano, e toda a assistência que constituía a assembleia- ouvia, contava e comentava histórias. É isto uma conferência de cidadãos portugueses, sempre que se trata de negócios graves. Posso jurar-lho. Sem excepção. Não importa a espécie,-percebeu você? Conferência de comerciantes, de industriais, de padeiros, de dentistas, de sacerdotes, de mestres de dança, de estudantes, de oficiais, de notários... do diabo que os leve, e seja o que for. Olhe: ponha na lista os guarda-nocturnos que são como os mais. Contar histórias, e ouvir histórias: eis o ideal do cidadão lusitano. Você notou isso: nem notou outra coisa! E depois? Como lhe parece que se explica o fenómeno? Eu queria ouvi-lo sobre este assunto...”

in ‘Notas de política’ (O Homem-das-ideias-extravagantes), António Sérgio 1929

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