Tem-me surpreendido, e muito, a frequência e a veemência com que a ASAE tem sido atacada, aqui no Nortadas - que é um blog habitualmente conotado com a Direita; enfim, uma certa direita.
Surpreende-me porque a Direita, tradicionalmente, tinha como um dos seus pilares a defesa da "ordem". Este pilar, naturalmente pode ser interpretado de muitas maneiras, mas há uma que para a Direita Democrática deveria ser indiscutível: a do primado da Lei.
Em termos simples, isso deveria querer dizer que a Lei é cega, isto é que se aplica a todos igualmente, e que deve ser obedecida por princípio. Quando não estamos contentes com uma lei, em democracia o que temos a fazer é lutar legitimamente para a alterar. Nunca desobedecer-lhe - a não ser que estejam em causa direitos fundamentais da pessoa humana e da sua dignidade.
Por outras palavras, o problema não está em a ASAE impedir a venda do queijo Daqui ou da amêndoa Dacolá. Se está na lei, é essa a obrigação da ASAE. Por outro lado, pode ser que a lei esteja mal, e então haverá que propor alterações a essa lei, por todos os canais legítimos para o fazer. Nomeadamente, quando se é oposição com assento parlamentar...
Este ataque à autoridade, neste(s) caso(s) da ASAE, é um dos sintomas do estado a que o nosso País chegou, infelizmente. Outro, é a cena da aluna que não aceita, nem respeita, a autoridade da professora, por não querer abdicar do seu telemóvel, dentro da sala de aulas e durante uma aula.
Todos nós somos capazes de recordar situações em que defendemos, perante amigos, conhecidos ou até agentes da autoridade, que as leis são para "interpretar", não para aplicar cegamente. Por exemplo, por causa de um "excessozinho" de velocidade, numa qualquer boa estrada do País; ou à porta de um qualquer estabelecimento, onde estacionáramos em segunda linha apenas "por um minutinho, sr. guarda"...
Portanto, a aluna não está sozinha. Está acompanhada por quase todos nós.
Por isso mesmo é que é decisivo que a ASAE exerça a sua autoridade. Nos limites da Lei e no respeito da lei. O mesmo se diga, por exemplo, dos esforços da autoridade fiscal em matéria de cumprimento de obrigações fiscais.
Pela minha parte, enquanto cidadão de direita que me assumo, só tenho a agradecer que o Fisco recorra a mecanismos legítimos para combater a evasão fiscal. Mesmo que seja solicitando aos jovens casais que apresentem as facturas e os recibos dos serviços contratados para o copo de água, incluindo dos papos d'anjo... na condição, obviamente, do Fisco o fazer nos limites da Lei e no respeito da lei. Se essa condição não for respeitada, pois que se corrijam os exageros e que se punam os responsáveis. Se for respeitada, a mim que me esforço por cumprir a Lei, mesmo aquelas leis com que não concordo, só me resta agradecer.
É que o primado da Lei não é uma afirmação inócua de voluntarismo seguidista; é antes uma condição essencial à existência de uma sociedade evoluída e civilizada pelos padrões ocidentais e democrata-cristãos que são os meus e, creio, da maioria dos portugueses.
Pelo menos daqueles que se afirmam de Direita. E que gostariam de ver os seus filhos, e os dos vizinhos, respeitar a Lei e a Autoridade de quem a tem, quando a exerce legitimamente. E que gostariam de viver num País onde a Escola cumpre a sua missão de educar; apoiada pelos Pais, nos Pais e com os Pais; onde os alunos compreendem a diferença entre estar no recreio e numa aula; onde a Lei é um instrumento ao serviço da Nação. Porque é cega. Como deve ser. Mesmo que sejam aquelas que são aplicadas pela ASAE e pelo Fisco. Ou talvez até sobretudo essas, pois é nas coisas pequenas que se ganha a compreensão das grandes.
Ou talvez o defeito seja meu, que já vivo fora do País há demasiado tempo... tanto que agradeço que as leis sejam aplicadas. Cegamente. As maiores e as mais pequenas.
«Por outras palavras, o problema não está em a ASAE impedir a venda do queijo Daqui ou da amêndoa Dacolá. Se está na lei, é essa a obrigação da ASAE.»
ResponderEliminarO "problema", o pormenorzinho que anula na origem esta (muito sólida) argumentação, é que nenhuma lei portuguesa prevê a caça sanitarista ao "queijo Daqui ou da amêndoa Dacolá". São os próprios responsáveis por aquela sinistra polícia sanitária (em sentido restrito) quem se escuda em obscuras "normas europeias" para "explicar" a sua sanha persecutória.
Trata-se, objectivamente, de pretextos, não de justificações. Trata-se do exercício sistemático e cirúrgico de força e poder apenas pelo gozo desse exercício, sem atender a nenhuma relação de causa e efeito. Trata-se de puro instinto predador, não de algum putativo, hipotético, teórico apego à defesa da saúde pública... e muito menos ao estrito cumprimento da lei.
Mas enfim, é claro que não estou a dar-lhe novidade alguma; parece-me detectar alguma (finíssima) ironia neste seu texto. Talvez, como diz, realmente viva fora do país "há demasiado tempo". Mas ainda se lembrará, certamente, de que as amêndoas de Portalegre nunca fizeram mal a uma mosca. Por exemplo.
Pois tem razão em muito do que diz, caro Ventanias, mas o problema desdobra-se não só nas leis que se fazem totalmente desprovidas de bom senso e critério como ainda na aplicação prática desproporcionada e sem ponta de razoabilidade das mesmas.
ResponderEliminarAté concordo consigo quando diz que a ASAE apenas vela pelo cumprimento de normas, que apesar de o serem são totais disparates e que por isso o que antes de mais está mal são as próprias leis (ou na maioria dos casos, meros Regulamentos Comunitários). Sucede que a própria ASAE nas partes que a lei deixa em aberto para serem integradas faz todos os disparates que se lembra (p/ex, conheço directamente um caso em que a ASAE não obriga que as raparigas que trabalham num bar a usar luvas mas proíbe que tenham as unhas pintadas. Diz que o verniz pode passar para a bebida...).
O facto de ser de direita, apologista de um estado de lei e de considerar como valor de estado a autoridade do mesmo e a segurança que isso permite, não me obriga a uma atitude acrítica perante leis que ninguém compreende e perante aplicações da mesma carentes de qualquer sentido. Nestas circunstâncias incluo, obviamente, a recente atitude do Fisco, que caso não saiba só tem esta expedição no que toca a apurar matéria colectável mas que ainda se rege pelos "timmings antigos" no que toca a cancelar penhoras feitas para cobrança de dívidas pagas (por vezes 6 e 8 meses antes do cancelamento da penhora).
Por outro lado, nem parece seu meter no mesmo saco o "excessozinho de velocidade" e as agressões de uma aluna a uma professora numa sala de aula. Já se sabe que nos dois casos o que se viola é a lei mas a carga ética subjacente a uma e a outra situação são tão diferentes que dizer que vai dar tudo ao mesmo não me parece minimamente razoável.
Agora não me leve a mal o plágio parcial mas talvez o defeito seja meu, que já vivo no País há demasiado tempo... tanto que agradeço que as leis sejam bem feitas e aplicadas. Com proporcionalidade e equidade. As maiores e as mais pequenas.
Quando uma lei que é feita para proteger os cidadãos de certos riscos, pode vir a criar riscos maiores com a sua aplicação do que aqueles que decorrem da sua não aplicação, ou da sua aplicação moderada, das duas uma: ou a lei está errada, e tem que ser mudada, ou está a ser mal aplicada, porque não se pensa na adequação do seu conteúdo ao caso concreto antes de a aplicar cegamente. E aplicação cega, peço desculpa, não me parece sinónimo de justiça na aplicação de uma lei. A aplicação justa da lei não permite que ela seja aplicada fora do seu fim, ou sem a interpretar. Isso não é o mesmo que fazer "jeitinhos", ou usar critérios arbitrários ou subjectivos. Nem é sinónimo de desrespeito pela autoridade, já que a perda da autoridade da lei vem mesmo é pelos excessos e desmandos na aplicação dela. E não me parece ser possível deduzir daqui qualquer paralelismo de situações em relação à aluna que maltrata a professora, ou qualquer reconhecimento de condutas dessa natureza...
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ResponderEliminarMeu caro AFM, não encontra nada no meu texto a favor de leis mal feitas... Onde quiz chegar é a uma dupla verdade, creio; primeiro, a maneira de corrigir as leis más não é não aplicá-las, é corrigi-las, pelos canais próprios. Segundo, as leis pequenas, como a do excesso de velocidade não éticamente reprovável (o que não é liquido, aliás), são aquelas em que se forma, no dia a dia, a consciência do cumprimento do dever; é da sua observância, ou não, que decorre a decisão ética de aceitar ou disputar a decisão de uma "cetôra" de nos retirar um telemóvel, mais tarde, quando a ocasião se proporciona. Uma coisa não existe sem a outra, foi o meu argumento. E continua a ser.
ResponderEliminarApenas acrescento que, "não há regra sem excepção", mas isso creio bem que o meu amigo já saberia. E é precisamente nesse juízo, da regra e da excepção, que se distinguem os funcionários dos bons funcionários. Diga-me lá agora, como é que se promove o avanço dos bons funcionários; a que avaliação os submeteremos? Uma em que a aplicação da lei é a regra, ou outra em que é a excepção? Não estou a defender abusos. Estou a denunciar o vício de acharmos, todos e cada um de nós, que podemos e sabemos interpretar as leis perante os casos concretos. É falso, e mesmo que alguns saibam, é preferível que não o possam fazer, em nome de uma certeza e segurança jurídica que, estou certo, também prezará.
Cara Paula, creio que o que te poderia dizer já está no que disse ao AFM.
ResponderEliminarUm abraço
Para todos,
ResponderEliminarDe qualquer forma o sistema não se esgota na aplicação da lei pelas "autoridades"; há sempre Tribunais a que se poder, e deve, recorrer.
Já agora, se calhar é esse o problema das escolas; não tem tribunais internos, onde alunos e professores se possam queixar e defender das "injustiças" que tenham sofrido.
Porventura, aí estaria uma boa solução para problemas deste tipo, e sobretudo para ajudar os nossos filhos e seus vizinhos a consciencializar o funcionamento do sistema. E o respeito pela Autoridade...
Faz pouco tempo, comentava um amigo meu que esteve de férias em paris que se a ASAE por lá passásse, fechava os restaurantes todos.Há pouco tempo também, numa reportagem num jornal era referido que a maioria dos restaurantes de bruxelas, não passaria no exame rigoroso da ASAE. Recentemente, num telejornal mostravam um casal morador numa zona fronteiriça, que tinham fechado o seu restaurante devido ás exigências da ASAE e tinham aberto no outro lado da fronteira em Espanha,estavam satisfeitíssimos, com muita clientela e sem ASAE´S à porta.
ResponderEliminarComo é bom viver num país civilizado !!!Pobres franceses, beolga e espanhóis !!!
A pergunta que deixo, Ventanias, é porque é que nunca ouvi a ASAE a queixar-se de falta de meios, como ouço a todas as outras polícias ?
Abc Carlos de Maia
Caro Ventanias, é verdade que o seu texto não defende as leis mal feitas (nem eu disse nada sequer parecido com isso) mas que aí se encontram demasiados sinais de acriticismo perante a forma como tantas vezes a lei é aplicada, ai isso encontram-se. Designadamente quando você valora da mesma forma situações demasiado diferentes.
ResponderEliminarDiz-me agora que o que entende é que o cumprimento das "leis pequenas" promove a consciência do cumprimento do dever e em parte tem razão. Só que saltar daí directamente para o caso da professora agredida, desculpe-me, mas isso não me parece minimamente adquado.
De resto, já se sabe que há bons e maus funcionários em todos os sítios. Simplesmente você ao responder dessa forma ao que eu disse está a descentrar-se do que estavamos a falar. Afinal, você e eu referíamo-nos à actuação institucional de determinados organismos e os exemplos que eu dei foram dentro desse âmbito. Portanto, se quiser voltar à questão não diga que o problema está em todos nós nos sentirmos capazes de interpretar a lei face a casos concretos mas aprecie sim a qualidade da interpretação da lei feita por quem, pela sua própria natureza, a tem que interpretar para a fazer cumprir.
Por fim, para rematar, é verdade que os Tribunais existem por alguma razão. Mas acredite que quando a paz jurídica das pessoas é gravemente perturbada o melhor Tribunal do mundo já só é a menos má das soluções. É um bocadinho como um hospital quando se tem um problema de saúde.
Ou seja, se bem os entendo, o problema da ASAE é que aplica a lei com demasiado zelo!?
ResponderEliminarNo caso da ASAE, reconheço que há um problema de moralidade (ou moralismo, como quiserem), depois que o seu presidente foi apanhado a fumar dentro de um casino e assumiu publicamente que o "podia fazer". Obviamente, destruiu muita da eventual autoridade da ASAE com esse abuso.
No entanto, isso não deveria ter nada a ver com o argumento que expus no blog, qual seja o de que é necessário que as leis sejam aplicadas cegamente, para que nos habituemos a respeitá-las e, quando seja caso disso, a empenharmo-nos por mudar as que não estejam correctas.
Outra questão, que parece ser a que está a dominar estes comentários, é a de saber como lidar com abusos de autoridade. Não os defendi, nem pretendo defendê-los. Quando muito, comentei o hábito que temos de confundir o exercício da autoridade com o abuso de autoridade, que será o que nos leva a desrespeitá-la.
Não sei o que faria a ASAE na Bélgica, França ou Espanha. Sei é que aqui no Luxemburgo, e na vizinha França, Alemanha e Bélgica, parte-se do princípio que todos os restaurantes são fiscalizados pelos equivalentes da ASAE. E quando algum é apanhado a desrespeitar a lei, ninguém sai a defender o restaurante, nem muito menos a atacar a ASAE deles...
E afinal, é este o ponto. A não ser, claro, para aqueles como o meu amigo da Maia que acredita que o Governo dotou a ASAE dos meios suficientes para acabar com o tecido económico português e assim obrigar todos os empresários a deslocarem-se (que é o equivalente da emigração das pessoas, para o capital), lá para fora.
Enfim, se calhar o problema é mesmo meu, que já não vivo aí há demasiado tempo...