quarta-feira, março 05, 2008

Moralidade, moralismo e a "luta" dos professores

A moralidade é um conceito abstracto, de difícil definição mas de fácil intuição; refere-se a um certo equilíbrio entre as pessoas, situações e soluções que deverá tender para um sentido inato de justiça e equidade que todos compreendemos. Na célebre afirmação do personagem Tótó, no filme italiano, "ou há moralidade (leia-se, respeitamos a propriedade alheia), ou comem todos (leia-se, dividimos o furto por todos)".


O moralismo, como todos os "ismos", é uma doutrina que pretende impor regras e comportamentos a outrém, com base numa suposta fundamentação de moralidade.

Vem isto a propósito do actual conflito dos professores com a "sua" Ministra. Sua, porque ela é o patrão último deles. Sua porque, por isso mesmo, é com o patrão que eles estão a reclamar. Querem manter os privilégios que adquiriram ao longo dos últimos anos e não querem que a Ministra lhes imponha padrões mais elevados de exigência e, consequentemente, de avaliação e progressão na carreira.


O problema da moralidade, nesta como noutras matérias, é que quando o exemplo não vem de cima, então "comem todos". Ou deviam comer todos.

Ou seja, os professores sentem-se com o direito de defender os privilégios que lhes restam. O que é agravado por uma imagem de falta de disponibilidade para o diálogo que este Governo quiz dar (a tal imagem e comunicação de que tanto se fala).

Quero com isto dizer que um Estado que quer impor regras mais sérias e mais exigentes e ao mesmo tempo protege os privilégios da sua liderança, não tem moralidade para impor essas reformas.

O tal "mal estar difuso" de que está na moda falar, assenta precisamente nessa coisa muito específica que é a sensação que todos nós temos de que a máquina e o poder do Estado tem vindo a ser usados, e continuam a ser usados, para proteger os privilégios de alguns, no mesmo momento em que o Governo tenta impor a outros reformas urgentes e necessárias que implicam cedência de privilégios; os outros, em geral, somos nós todos os que não beneficiamos da máquina do poder (leia-se, partidos, instituições do Estado e todos os demais instrumentos da protecção dos filhos do regime, incluindo as empresas em que o Estado "manda").

Dou apenas dois exemplos, que me parecem os mais descarados. As pensões vitalícias dos senhores deputados e a ausência de limites dos titulares dos órgãos de soberania. Num momento em que se exige a todos trabalhar mais para assegurar as mesmas reformas, ou até menores, que antes estavam garantidas, que moralidade tem um poder que continua a garantir as ditas pensões aos senhores ex-deputados, sem quaisquer outras regras limitativas para além dos 12 anos de exercício, independentemente da idade e da situação concreta do ex-deputado (i.e., tanto a recebe um desgraçado que não tem mais nada, como a recebe um priveligiado que a soma às outras reformas, aos outros salários e demais mordomias a que tenha acesso)?

Num momento em que se obrigaram os pensionistas a pagar impostos ao mesmo nível dos trabalhadores activos e em que se limitam os valores máximos das pensões dos funcionários públicos, como é que se compreende que o mais alto magistrado da nação possa acumular ao seu vencimento as três pensões que adquiriu ao serviço de outras tantas instituições do Estado (Banco de Portugal, Governo e Universidade)? Sem quaisquer limites e sem quaisquer restrições?

QUE MORALIDADE É ESTA?
Com que moralidade se pode exigir mais do que se exige a si próprio?

E no entanto... quem pode verdadeiramente culpar aqueles que tentam defender o pouco que pensavam ter assegurado, perante este regime de imoralidade?

Não parece isto mais moralismo, para os outros evidentemente, do que qualquer outra coisa?

Não são os moralismos criticáveis por definição? Não deve o exemplo vir de cima?

Dramático é que isto tem consequências. Nomeadamente, entre as que ainda são possíveis, a perda da reforma que este Governo anda a tentar impor desde que chegou ao poder - não seria perfeita, mas era seguramente um avanço em relação à podridão a que tinhamos chegado.

No reino do "salve-se quem puder", salva-se melhor quem tem mais poder. Mas mesmo esses não conseguem evitar que quem tenha algum poder, tente igualmente defender o que puder.

Na república do "salve-se quem puder", todos ficamos a perder. Em especial, perde a Nação, em falta de coesão e solidariedade.

É preciso um Portugal melhor.

É possível um Portugal melhor.

Basta querer.

PS. Note-se que o mesmo ou muito parecido poderia ser dito sobre as reacções aos "exageros" da ASAE ou da cobrança de impostos. O problema é global.

Sem comentários:

Enviar um comentário