terça-feira, outubro 23, 2007

A questão do referendo: "só se não tocarem jazz"

Começo com uma história, para depois terminar com a minha posição.

Um belo dia, um grupo de amigos, 26 mais exactamente, decidem fazer uma festa. São belas moçoilas e espadaúdos rapazes. A festa promete. Organizam-se os comes, prepara-se a sala e contrata-se o músico. Há última da hora decidem convidar mais um amigo. Este responde que só vai se o músico não tocar jazz...

Para além da falta de cortesia, o dito amigo mostra não ter muita consideração pelos demais 26. Afinal, para ele o mais importante não é a companhia nem a festa, o mais importante é a música.

Serve a presente história para explicar a minha posição sobre o Tratado Reformador e a sua eventual ratificação mediante referendo popular.

O Tratado é um bom documento? Não, claro que não. Nem poderia ser, visto resultar de uma negociação a 27, cada qual com as suas preocupações específicas. Ainda por cima, o processo negocial foi conspurcado porque havia um gajo que só brincava se "não tocassem jazz", por exemplo o parceiro inglês, outro que só ia se "não servissem vinho, apenas cerveja", por exemplo o francês e outro ainda que só participava se "não tivesse de pagar", por exemplo o holandês. Chegados aqui, cada um veio com as suas novas preocupações; então se aquele não paga, eu também quero poder vetar as músicas que tocam; outro dizia que ele é que escolhia quem chegava primeiro; o terceiro dizia que ele é que pintava o cartaz, etc, etc.

Uma das soluções possíveis era não haver festa. Mas todos concluíram que já se tinham empenhado o suficiente para que, apesar de tudo, valesse a pena fazer a festa. E fizeram-na... em Lisboa. Este particular, já agora, também tem a sua graça.

Agora, falta dançar.

Explico: se eu tivesse de criticar o tratado, esmiuçando cada uma das suas partes, certamente não deixaria pedra sobre pedra - e este é o principal argumento de quem é contra; é muito fácil encontrar capítulos que nos desagradam e que desagradam aos eleitores; quer por demais, quer por demenos.

Por outro lado, face às circunstâncias concretas, eu prefiro que este tratado seja aprovado a continuarmos como até aqui; por uma razão principal: com este tratado vai ser muito mais fácil tomar decisões. Passará a ser mais importante saber quem apoia as decisões do que quem as bloqueia. Isso deve permitir agilizar o processo decisório europeu. Com tempo, pode até ser que venha a permitir uma maior consciencialização dos interesses da Europa, nomeadamente no plano externo. Além disso, sempre confere maior poder ao Parlamento Europeu, que é o veículo da democracia europeia. Finalmente, deverá permitir os futuros alargamentos sem argumentos formais do tipo "falta de adequação das instituições".

Por conseguinte, o principal (se não mesmo único) argumento de quem seja a favor do Tratado é o Tratado como um todo.

Dito isto, sou a favor de um referendo. Porque creio que a classe política nacional deveria assumir as suas responsabilidades e explicar claramente que é melhor ter o tratado todo do que imaginar que seria possível melhorar alguma das suas partes... sobretudo a 27. E a Nação deveria ter a oportunidade de legitimar a opção europeia do País.

Gostaria até que o CDS tivesse a coragem de defender o referendo e o Tratado de uma só vez. Como dois lados da mesma moeda. O referendo por princípio, o tratado por necessidade.

Uma última palavra para desmontar o principal argumento de alguns: Portugal perde influência. Meus caros, falamos de influência (formal) ao nível de alguns míseros 3-5%!!! Saber se nos cabem 3,2% ou 4,9% com franqueza, vale o que vale...

Se Portugal tem alguma influência certamente que não é por aí; como o demonstram a estratégia de Lisboa, o Tratado de Lisboa, muitos outras decisões sob a égide de presidências portuguesas e, estou em crer, brevemente a Cimeira com África.

4 comentários:

  1. Ora o Ventanias acha bom um tratado do qual não ficaria pedra sobre pedra se analisado com rigor. Tiro-lhe o chapéu!
    E aquela do "todo" tem pinta também, tem sim senhor. Venha lá o referendo que é para então distinguirmos o todo das partes. Ou será que o PP meteu férias?

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  2. Caro Douro, peço desculpa mas nunca falei em rigor, que é uma atitude que tento colocar em tudo o que faço e digo e escrevo; mesmo no Nortadas (ou até especialmente).

    O que afirmei é que as partes do todo, quando consideradas individualmente, são muito criticáveis, quer por demais, quer por demenos.

    O que também afirmei é que o tratado vale pelo seu todo, isto é por ser o resultado de uma negociação empenhada entre 27 "amigos" diferentes, com prioridades diversas e preocupações dissonantes.

    Em boa verdade, poderia até ter dito que os referendos verdadeiramente só se justificam, em casos destes, se a pergunta fosse do tipo "ou tudo ou nada". Como bem sabemos, porém, a maior parte das vezes a defesa do referendo assenta numa postura de guerrilha política em que se defende a consulta popular para marcar pontos na agenda política interna.

    Daí que tenha defendido que o CDS continue a propor a realização do referendo, por princípio, mas que simultaneamente se afirme a favor do tratado, por necessidade.

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  3. Meus caros:

    Ainda ninguém honestamente leu o Tratado mas todos falam como se fossem detentores de todo o seu conteúdo.

    Li meia dúzia de páginas e cheguei a uma conclusão: ninguémn vai ler esta "estopada" de ponta a ponta!

    É uma "pele-mele" de todo o tamanho.A sua "bondade" intrínseca não está em causa. Será imprescindível o referendo?!

    Se o povo votar "Não" o que se vai fazer?
    Dirão que não estava esclarecido (nunca estará) e será preciso fazer outro, até que diga "Sim"!

    É ridículo, patético e ... pior que tudo, dispendioso!

    Quem é pelo referendo está numa de mais tarde colher dividendos quando houver fracassos e quiser lançar o odioso a quem não o referendou. No entanto, honestamente, o referendo, não é mais legítimo (ou legitimador) do que o aval da AR.

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  4. "Perguntam-me também o que farei, se vier a ser convocado um referendo sobre o Tratado em si mesmo, globalmente considerado. É simples: mantendo a minha discordância, defenderei a aprovação do Tratado, por fazer dele um juízo globalmente positivo, embora não concordando com algumas das suas normas.
    Obviamente, num referendo desses, sobre centenas de questões diferentes, "em pacote", tudo depende do balanço entre pontos positivos e negativos e do peso que cada cidadão atribui a cada um deles." - dixit Vital Moreira in 'Causa Nossa' 29 de Outubro. Ó Ventanias, anime-se pois tem ali um amigalhaço

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