O referendo do próximo dia 11 de Fevereiro volta a trazer à sociedade portuguesa um conjunto de discussões de diferente natureza que tem por característica o aparecimento em ambos os lados – quer pelo sim, quer pelo não - de posições mais radicais, bem como de outras mais moderadas que se tocam, e acabam por se distinguir por meros elementos de sensibilidade pessoal e subjectiva.
Estou perfeitamente convencido que apenas sectores marginais da nossa sociedade são favoráveis ao aborto sem qualquer limite em razão de tempo ou fundamento. Passado este pressuposto cumpre entrar na discussão da actualidade. São vários os pressupostos pelos quais se argumenta. Entre os mais relevantes encontra-se o da saúde pública; o jurídico; o civilizacional; e, por fim, o dos valores.
O critério da saúde pública surge devido ao flagelo do aborto clandestino que a todos deve preocupar. Aquilo que está totalmente por provar é que esta chaga não continue a surgir, na estrita medida em que na sua base não está tanto uma qualquer determinação do nosso Código Penal, mas antes uma questão social que se manterá independentemente de qualquer modificação legal.
A questão jurídica é também interessante. É muito estranho que os principais defensores da Constituição e da sua imutabilidade sejam precisamente aqueles que mais depressa se esqueçam das suas determinações quanto ao valor vida e à sua inviolabilidade (aconselho, a este nível, a leitura dos vários votos de votos de vencido dos juízes do Tribunal Constitucional, quanto a esta matéria). Por outro lado, há a questão de direito penal. É que a despenalização não tem de tecnicamente passar por uma solução em que se deixa de forma geral e abstracta nas mãos de uma mulher a possibilidade, dentro de um certo prazo, de por fim à vida de um feto independentemente das razões de tal opção. Esta liberdade tem de estar relacionada com uma ideia de responsabilidade. Aproveito aliás para relembrar que não existe uma só mulher presa em Portugal pela prática de aborto, pelo que se deve colocar a questão nos termos em que fiz e não num plano demagógico que apenas serve para criar focos de demagogia na nossa sociedade.
Também se considera que a opção pelo sim é mais moderna, de acordo com os padrões de civilização actuais, sendo várias vezes utilizado o argumento que apenas a Polónia e a Irlanda têm uma legislação tão “restritiva” como a nossa. Quero começar por dizer que uma legislação favorável à vida (bem na linha progressista e humanista nacional) não tem de ser vista como “restritiva”. O grande resultado das legislações mais “modernas” tem apenas sido o do aumento do número de abortos praticados, precisamente o contrário de uma sociedade moderna onde há vários meios contraceptivos, formas de educação sexual e acompanhamento da maternidade.
Para terminar, a questão a que se podia resumir o meu testemunho: a dos valores em causa. Por um lado, a vida humana, por outro a defesa de questões socialmente relevantes como a defesa da mulher. Entre os dois pratos tendo para a defesa da vida. Faço-o por uma questão de sensibilidade. E é com sensibilidade que, independentemente das campanhas, a maioria dos portugueses vão votar.
(Texto escrito para o blogue Clube dos Pensadores)
PS (na verdadeira acepção da palavra) – Para quem é tão moderado e respeitador da ideia de despenalização deixo uma última pergunta. Porque não se tentou caminhar para soluções como a mediação penal ou uma bem pensada suspensão dos julgamentos? Terá havido falta de vontade politica?
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