O sim ganhou. O sim vencedor terá agora o ónus de provar que não era efectivamente a liberalização do aborto que pretendia, e terá que regulamentar a sua prática em ordem a tentar evitar decisões precipitadas, por falta de meios, ou por razões menos fundadas, garantindo, ao mesmo tempo, e nesses casos, a responsabilização da sociedade e da própria mulher pelas consequências dos seus actos. Parece-me que um tal desiderato ou objectivo só pode ser conseguido introduzindo-se na lei o aconselhamento, de que tanto se falou, mas que não consta para já do projecto legislativo aprovado na generalidade, e que deveria ter um importante efeito prático associado: o de permitir aos médicos recusarem-se a realizar o aborto onde considerarem que não existe um motivo atendível para o efectuar. Aí ficaria colocada a fronteira entre o que é permitido, e o que não é, devendo passar-se a prestar imediatamente toda a ajuda possível à mãe para a resolução dos seus problemas (apoio psicológico, ajuda à maternidade, responsabilização do pai da criança, adopção, etc). De outro modo, se não se estabelecerem condições para a interrupção da gravidez, se a realização do aborto for um direito a exercer livremente perante o SNS, se o que estiver em causa for simplesmente a entrada em vigor da nova alínea a), do art. 142º, do Código Penal, em relação à qual não estão, para já, previstas quaisquer ponderações, então não há como negar que nem sempre se falou a verdade durante a campanha, e que estamos perante uma liberalização. Já se cedeu demais em relação à tutela da vida ao admitir-se colocar a referendo a possibilidade de ponderação entre a vida do feto até ás dez semanas (que por estar ainda numa fase incipiente de desenvolvimento valeria menos) e a liberdade da mulher fora dos motivos que já estavam previstos na lei, para se vir prescindir agora da efectiva ponderação de interesses no caso concreto. Mesmo reduzindo a importância da vida do feto, mesmo acentuando o valor da liberdade da mulher, essa liberdade terá sempre graus ou níveis de intensidade, o que quer dizer que motivos ou razões menos ponderadas e menos sérias não poderão nunca constituir fundamento de exclusão da responsabilidade por certos factos. A não ser, repetimos, que o aborto passe a ser totalmente livre, e disseram-nos que não era disso que se tratava. Para se poder falar justamente de descriminalização e despenalização, terá que se impor a análise das circunstâncias do caso, que não será feita pelo juiz, mas pelo médico, ouvida a mulher, e o próprio pai, se ele o entender assim. Só desta forma é que o sim poderá atestar devidamente as suas boas intenções. Vamos ver o que se segue no panorama legislativo nacional.
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