Bom dia! Acho que o João Anacoreta no seu último post acerca do referendo colocou o “dedo na ferida”. Tenho participado em alguns debates por aí, e tenho percebido que, salvo alguns radicalismos, que os há sempre, a preocupação das pessoas está, sobretudo, em não aumentar a desgraça das mulheres que abortam, punindo-as com pena de prisão através de processos públicos (mais a mais, com o risco de mediatização que agora se vai correndo em processos judiciais). No entanto, quando se faz uma pergunta que tem por detrás uma lógica de descriminalização ou de liberalização fica tudo estragado, porque muitos dos que gostariam de ter uma posição moderada, e que seriam capazes de responder sim à despenalização, não podem responder sim a uma pergunta que transforma a destruição de uma vida num “zero jurídico”. Nem a lei actual, em relação a conflitos de interesses que podemos qualificar como conflitos-limite, em que a sociedade e o legislador não se pode colocar na situação violentíssima da pessoa que tem que decidir e deixa a decisão à sua consciência, considera nesses casos que não existe crime. A expressão usada é sempre “não punível”. Como é que agora se vai admitir, sem sequer se indagar de motivos, o afastamento do crime? Li algures, penso que num comentário a este blog, que a lei actual não corresponderia já às representações da nossa sociedade. Discordo profundamente. Talvez a punibilidade não corresponda. A convicção de que se trata de um crime, penso que se mantém. E é preciso não diminuir a importância da lei onde se trata de formar e orientar as consciências para valores (que não são puramente éticos ou religiosos mas de natureza jurídica fundamental) porque está provado que a partir do momento em que a lei recua em determinados sectores, a consciência colectiva tende a fragilizar e a relativizar esses valores, e a trivializar o ataque que lhes é dirigido. Enfim. A verdade é que, com uma pergunta desadequada, arriscamo-nos todos a responder ao que não queremos neste referendo.
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