Alguém, certamente um amigo, me dizia, já há alguns anos, que toda a História da Humanidade podia ser explicada como uma luta entre o Bem e o Mal. A verdadeira questão, perante cada situação concreta, era tão somente descortinar de que lado estava o Bem e de lado estaria o Mal.
... ... ... (pausa para pensar um momento - afinal o que distingue a Humanidade é a capacidade de pensar) ... ... ...
Também perante a questão do aborto, ou melhor, da sua liberalização atá seja quantas semanas for, nos devemos questionar de que lado está o Bem e de que lado estará o Mal. E depois agir em consequência. Nomeadamente quando nos sugerem referendos sobre esta matéria. Pela minha parte, aqui ficam algumas reflexões.
Há poucos dias, em plena quadra natalícia, li esta frase: "Pior do que fazer um aborto é ter um filho que não se quer" (no sentido de desejar, presume-se, de planear, eventualmente).
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Quem, como eu, sabe o que é ter um filho, não pode compreender esta frase. Não há certeza, em todos os momentos da decisão de ter um filho, como aquela que se sente quando se vê a criança, o bébé, pela primeira vez. Já é uma alegria enorme, quando se quiz, quando se desejou, quando se planeou, saber que o bébé foi feito. Depois ainda é maior quando se vê a primeira ecografia. Mas nada se compara ao momento em que o bébé nos aparece ao vivo, no primeiro esgar, no primeiro ruído, no primeiro choro. Só aí é que verdadeiramente temos a noção do que é ter um filho: um laço inexplicável, entre nós pais, incautos, e aquele Ser totalmente dependente, fonte incomensurável de responsabilidades, de receios e de alegrias. Não há certeza que se compare a essa: para o Bem e para o Mal, aquele Ser é totalmente dependente de nós, de mim.
Por isso não consigo compreender aquela frase. Consigo imaginar, por esforço de intelectualidade, um conjunto de situações em que uma gravidez possa assustar, possa ser uma fonte de stress, possa criar receios redobrados de futuros incertos, possa até ser fonte de angústia. O que não consigo perceber é que se defenda que a melhor solução é eliminar aquela vida. Nem que isso traga o que quer que seja de bom.
Admitindo que essas situações ocorrem, haveria que criar soluções que permitissem aliviar a carga que essa criança pudesse representar para aquela mãe e aquela família. Isso seria uma solução do Bem, numa sociedade moderna.
Percebo até que se defenda que é necessário informar as potenciais mães e os jovens, das alternativas que hoje se abrem a quem não quer ter filhos, pelo menos naquele momento em que escolhe ter relações sexuais com outrém.
Não me cabe a mim julgar uma mulher que escolhe praticar um aborto, numa qualquer situação de desespero. Compreendo que os apoios são demasiadas vezes insuficientes e que as pessoas vivem hoje modelos de vida demasiado hedonistas para poderem livremente escolher sempre as consequências dos seus actos com responsabilidade, mesmo que isso implique dificuldades. Mas não creio que a melhor solução social para esse tipo de soluções possa ser o permitir que se mate outra pessoa sem qualquer censura.
O que não quero e não posso aceitar é que se defenda a desresponsabilização individual como solução para qualquer escolha de vida. Não é. Nunca será. E mais tarde ou mais cedo, as sociedades pagarão o preço dessas suas escolhas.
O que não gostaria de ver era o aparecimento de uma indústria da solução fácil, como será a dos abortos.
Mas tenho plena consciência que esta é uma batalha cultural. É uma batalha de valores. E infelizmente, essa foi uma batalha que as pessoas que pensam como nós já perderam há muito tempo. Mesmo que uma maioria de portugueses volte a achar que não vale a pena incomodar-se e o não volte a ganhar. Na sociedade portuguesa, os argumentos que invocam "direitos", mesmo que falsos, "liberdade", mesmo que condicionada, vencem qualquer discussão. As pessoas que não concordam, quase que têm vergonha de assumir as suas posições em público, porque parece que é sempre mais correcto respeitar a liberdade do outro, mesmo quando se trate de fazer asneiras...
Na minha opinião, o próximo referendo é uma batalha, não é uma guerra. Vou lutar para vencer a batalha, mas não vou perder a guerra se perder essa batalha.
A minha guerra é convencer-nos a todos que somos responsáveis pelas nossas vidas, em todos os seus momentos, nos melhores e nos piores, e que temos sempre escolha, para o Bem e para o Mal.
Numa sociedade em que as pessoas acreditem em si próprias e reconstruam soluções de apoio à verdadeira liberdade de escolha, nunca existirá liberdade de praticar más escolhas, como é o caso do aborto. Haverá outrossim, novos modos de recuperar a plenitude da Humanidade que é a capacidade concreta de escolher, em cada situação concreta, entre o Bem possível e os Males inevitáveis.
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