quinta-feira, janeiro 11, 2007

Aborto e responsabilidade

Já aqui deixei claro, umas vezes de forma mais racional outras de maneira mais emocional, que sou contra a liberalização do aborto. Essencialmente porque não é uma solução que promova a responsabilidade individual. Ora, o aspecto definidor da existência livre de um adulto completamente formado e maduro, é a sua capacidade de assumir a responsabilidade dos seus próprios actos, perante as suas circunstâncias concretas.

Mas vale a pena abordar outras questões.

Desde logo a questão da liberdade de escolha. Reduzir a possibilidade de fazer um aborto, legalmente, à liberdade de escolha da mulher é em si mesmo uma escolha particularmente redutora. A liberdade da mulher não começa nem acaba depois de ficar grávida. Ela existe muito antes disso, sobretudo no momento em que corre o risco de engravidar. E para os casos em que essa liberdade não existiu, a lei actual já prevê soluções. Ficam de fora, porventura, as situações em que a mulher não tem informação suficiente para ser livre no momento de escolher correr esse risco.

Ora, reconhecer que uma mulher não é livre por falta de informação e, como solução, oferecer-lhe a possibilidade de fazer o aborto com a única e exclusiva condição de ser feito a seu pedido, não parece que vá aumentar a informação disponível para essa mulher. Por outro lado, essa solução é seguramente a que menos vai responsabilizar a mulher pela sua própria vida. Não vejo o que haja de bom nisso...

Há que reconhecer que sempre houve abortos. E continuará a haver, legais ou não. Porque as pessoas quando sentem que tem um problema, resolvem-no. Bem ou mal. Do mesmo modo, muitas disputas menores por vezes são resolvidas com um assassínio. Não foi por isso que ninguém se lembrou de legalizar o assassínio como forma de resolução de conflitos. Por conseguinte, muito para lá da génese da questão da liberalização do aborto - que, quanto a mim, radica na necessidade de atacar a família tradicional - há mais qualquer coisa que intervém nesta matéria do aborto, para levar uma sociedade a aceitar a pior solução como a solução possível.

É justo reconhecer neste ponto, e esta é - quanto a mim - a principal força de quem defende o sim, que a (vou-lhe chamar assim por não conhecer outra forma melhor) consciência da gravidez não é a mesma ao longo de todo o período gestacional. Não me estou a referir a qualquer argumento científico, mas apenas a uma verificação de facto. Nas primeiras semanas, normalmente aquelas em que a mulher perceberá que alguma coisa se alterou, ou atrasou, mais do que o normal, a nova vida em formação ainda não teve tempo de alterar a consciência da mulher, para lhe permitir integrar essa nova realidade. Cientificamente, pode-se provar o contrário, mas eu não estou a falar de ciência. Aliás, historicamente tenho bons apoios. A primeira definição de existência de vida, para a Igreja Católica (ainda que há vários séculos), foi a do primeiro pontapé. Ou seja, existiria uma nova vida no seio de uma mulher quando essa vida se manifestasse inequívocamente. Dir-se-ia que o conhecimento científico já teria permitido evoluir um pouco mais... mas talvez não o suficiente para alterar o conhecimento social.

Daqui a afirmar que liberalizar o aborto é uma questão de liberdade individual da mulher, vai um passo muito grande, um passo valorativo que define cada sociedade concreta. Senão, pense-se no seguinte exemplo. Uma miúda de 13 anos, a brincar aos médicos com um primo, engravida. Se olharmos o assunto pelo prima da sua liberdade, e responsabilidade, poderemos defender que essa miúda não foi verdadeiramente livre na sua escolha, se é que existiu, de correr o risco de engravidar. Como não seria livre para comprar uma casa ou vender uma propriedade. Essa mesma miúda, em face do que conheço da lei portuguesa, também não será livre de poder solicitar um aborto. Terão de ser os pais a fazê-lo por ela. E só esses estarão em posição de ponderar os valores em conflito: o da defesa da criança em formação, a sua neta, e o da defesa da sã maturação da criança que estarão a criar, a sua filha. Pais haverá que escolherão a vida da neta. Outros pais preferirão a normalidade da juventude da filha. Não nos compete julgar nenhuns. Mas há que admitir que a lei actual permite resolver essa situação, de qualquer das formas apontadas. E aqui não se trata de um problema de semanas. É uma opção valorativa, em que se reconhece existir um conflito de valores, e se escolhe uma solução.

Creio, aliás, que a actual lei cobrirá a generalidade dos casos de grave risco psiquíco ou físico para a mulher que se possam apontar.

Por conseguinte, na liberalização estará em causa uma outra opção valorativa. E essa, por mais voltas que se lhe dê reconduz-se ao seguinte: a sociedade (que liberaliza) entende que é mais importante aceitar a falta de responsabilidade da mulher que corre o risco de engravidar do que proteger a vida da criança que se formou em consequência; por tanto, permite-lhe corrigir um erro de irresponsabilidade com outro erro de liberdade: abortar.

Como decorre do que afirmei antes, na fase de falta de consciência da gravidez isso até nem será muito difícil - note-se bem, para quem não valorar a nova vida como igual à sua própria. Ou seja, essa opção de facilitismo até nem será muito difícil de assumir. A questão que se coloca é a seguinte: e isso ajuda essa mulher a assumir a plenitude da responsabilidade pela sua própria vida? Sendo certo que não protege a do bébé.

Tudo, apenas para chegar à seguinte conclusão. A batalha da liberalização do aborto é uma batalha de valores. Nas sociedades democráticas as batalhas de valores ganham-se convencendo uma maioria de pessoas de qual deve ser o valor a defender. É uma batalha cultural. Infelizmente, creio que a batalha do valor da vida da nova criança está perdida.

Resta-me o valor da responsabilidade individual. Penso que essa batalha ainda pode ser ganha. Porque a lei actual permite as saídas necessárias, quando não houve liberdade ou estejam em causa outros valores. Porque liberalizar, neste caso é desresponsabilizar. Quer a própria que decide abortar, quer o Estado que se demite de ter de informar as pessoas do que necessitam de fazer para poderem ter verdadeira liberdade escolha. Porque um aborto dependente exclusivamente da vontade da mulher, não respeita a liberdade do marido - para não falar da do pai que não seja casado - e um filho não se faz sozinho. Porque não punir as mulheres que fizeram um aborto, se as circunstâncias concretas o justificarem, não é o mesmo que não punir quem eventualmente tenha ganho dinheiro com isso. Porque permitir abortos por capricho não é proteger a sociedade nem o interesse público. Porque eu acredito que Portugal se pode tornar no País com que todos sonhamos se as pessoas assumirem mais plenamente a responsabilidade pelas suas próprias vidas. E não era nada mau que o primeiro sinal dessa responsabilização pessoal e colectiva viesse da resposta a uma pergunta sobre a protecção da vida: entendemos que a liberdade mal exercida por uma mulher é suficiente para a desresponsabilizar pelas consequências dos seus actos?

NÃO! Nunca.

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