quinta-feira, agosto 31, 2006

A Constituição e o Gil Vicente

Mal acabado de regressar de férias, que passei familiarmente nesse nosso quinhão a beira-mar abandonado, venho ainda incomodado com o triste espectáculo que o arranque da nossa liga de futebol proporcionou. Assim, em jeito de aquecimento, aproveito para bloggar.

Há dois problemas menores nesta estória. Primeiro, o arranque da liga deveria ser um momento de alegria para os adeptos do futebol. Não foi. Não foi porque os senhores que em Portugal mandam na bola se entreteem a procurar aparecer nos jornais, mandam e desmandam como se o Povo não tivesse direito ao seu espectáculo tranquilamente. Organizem-se.

O segundo diz respeito ao Gil Vicente e às suas interpretações da lei. Organize-se.

O outro problema é bastante mais grave, porque revela o estado das nossas instituições. É verdade que a época é má, que não há notícias, etc e tal, mas que diabo, conferir honras de primeira página a uma tentativa grosseira de manipulação das nossas instituições e da opinião pública por parte de dirigentes sem escrúpulos, mal preparados e pior assessorados não abona nada em favor da imprensa e dos meios de comunicação social do nosso paísinho. Eu sei que todos sabemos que a imprensa é fraca, mas tanto, por favor... Tudo bem, consigo perceber que se queira dar tempo de antena a quem quer dar espectáculo, mas o minímo de decência implicava que se informasse os consumidores do que se estava a passar e nomeadamente do pequeno detalhe do Gil Vicente não ter nenhuma razão em todo o processo, para já não falar das tentativas grosseiras de manipulação dos órgãos da Liga em seu favor!

Quem quer jogar jogos, ou aceita as regras do jogo ou é BATOTEIRO. No meu tempo, quando não havia medo das palavras, era assim que chamávamos a quem queria mudar as regras em seu próprio favor.

Mas o mais espantoso de toda a história foi aparecerem comentadores sérios, reputadamente, a defender a impossibilidade da FIFA não se sujeitar à Constituição Portuguesa. Por amor de Deus! Para esclarecer:
1- A Constituição é o instrumento último e mais fundamental da organização do Estado. Não está nem podia estar em causa neste caso. Nem a FIFA tem nada a ver com isso, a não ser que se pretendesse criar uma FIFA sujeita à Constituição Portuguesa - da maneira que nós somos bons a organizar era capaz de ser uma solução engraçada.
2- Por conseguinte, o direito dos portugueses, das empresas portuguesas, das associações nacionais e até dos estrangeiros em território português, OBVIAMENTE que estão sujeitos à Constituição e em particular ao respeito pelos direitos nela consagrados e às obrigações dela decorrentes.
3- O que está em causa é tão simplesmente saber se um jogador, o Gil Vicente, aceita as regras do jogo (a Liga) que quer jogar. Como não parece ser esse o caso, o organismo da Liga deveria tirar daí as naturais consequências. Não aceita as regras, não joga. Ponto final, sem demais delongas.
4- Por outro lado, se o Gil Vicente quer ir a Tribunal discutir a validade do contrato amador que um seu, posteriormente, jogador - o tal Mateus - entretanto havia inventado para poder beneficiar de um qualquer estatuto, o problema é do Gil, dos seus órgãos e do jogador. Acho até muito bem, porque a coisa não cheira a mais do que uma Xico-esperteza. E isso ninguém pode nem quer por em causa.
5- Agora, que o Gil Vicente queira tirar dessa vigarice a consequência de poder alterar as regras do jogo, não me parece nada razoável. Nem me parece aceitável que os comentadeiros da nossa praça se arroguem o direito de questionar as instituições internacionais do referido jogo, só por causa dessa vontade do Gil.

Conclusão: a única coisa que deveria ter acontecido, muito mais rapidamente do que acabará por acontecer, é os órgãos próprios desse jogo tomarem a única decisão que se impõe: se não aceita as regras, SAI. Para quem não compreendeu: irradia-se do futebol, pelo menos do profissional. Que, já agora, não é nenhuma causa de beneficiência: é um negócio altamente poderoso, que envolve interesses enormes, dinheiro a rodos, e que apenas não beneficia as populações - muito embora as possa entreter.

E, por favor, parem de misturar alhos com bugalhos; não é a FIFA e muito menos o Gil quem pode por em causa a Constituição...

PS- Espero em breve voltar com assuntos mais interessantes

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