terça-feira, março 07, 2006

O encanto de Sampaio na hora da despedida

Calculo que seja muito deprimente abandonar o Palácio de Belém ao fim de dez longos anos, ainda para mais tratando-se de uma pessoa tão dada aos afectos e às emoções. A mim, pelo contrário, a sua partida não me causa qualquer dano.
É certo que Sampaio acabou por se tornar um personagem simpático, tenho de reconhecer. Não partilho, naturalmente, nenhuma afinidade ideológica ou política com ele, nem acho que tenha sido um presidente por aí além, bem antes pelo contrário. Todavia, com o correr dos anos não me foi possível ficar indiferente e até passei a apreciá-lo, mesmo quando discordava, por vezes profundamente, das suas posições. Poder-se-á dizer que eu, tal como muitos portugueses, me afeiçoei ao Chefe de Estado em funções. Só que no meu caso isso não pode ser verdade, pois não tenho, nem nunca tive, qualquer estima por Eanes ou por Soares. Não sei explicar, mas acabei por me habituar ao estilo esforçado e afectivo de Sampaio. Pena é que não tenha nada mais de positivo para acrescentar ao balanço. Não se é um bom presidente só porque se chora e ri como um homem comum, pois ser-se bom homem não é a mesma coisa do que ser-se um bom presidente. Aliás, esta tendência de Sampaio levava-o muitas vezes para o disparate e acompanhou-o até ao fim. Ainda ontem, numa visita ao Estabelecimento Prisional de Lisboa, Sampaio mostrou-se impressionado ao saber que um preso de vinte anos de idade tinha sido condenado a uma pena de dez anos de cadeia e ainda por cima, como referia emocionado Sampaio, o preso tinha bom aspecto. Há que repensar isto, dizia o bom do presidente. Sua Excelência, com franqueza, permite que as emoções tomem conta da razão. O que tem a ver a idade do criminoso ou a sua aparência com a medida penal a aplicar? Nada, como toda a gente percebe. Aos trinta anos, pelo mesmo crime, justificar-se-ia uma condenação a uma pena maior do que aos vinte? Isto fará algum sentido no plano racional? A mim não me parece. Cada crime tem uma moldura penal a aplicar em função de diversos factores, mas não aqueles a que recorreu Jorge Sampaio.
Sampaio merece bem o descanso e espero (mas não tenho a certeza de que isso vá suceder) não ter saudades dele.

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