O CPE e toda a incomensurável vaga contestatária que lhe sucedeu trouxe para a ribalta um mal estar já intuído por muitos, mas escamoteado por outros tantos.
Ao Japão e aos dragões asiáticos, sucedem-se, agora, no seu lugar como concorrentes do Mundo Ocidental, duas hiperpotências, a China e a Índia. Os seus mais de dois biliões de habitantes, proporcionam uma mão-de-obra vasta e barata, que se sujeita a condições e jornas de trabalho homéricas, e que são a raiz do verdadeiro “dumping” concorrencial relativamente às nossas sociedades de saciedade. A saudável liberalização do comércio mundial favorece o florescimento deste mercados, promovendo o seu pujante crescimento. Potenciado a nível interno pelo aparecimento de classes médias e de uma mentalidade capitalista voltada para o lucro, mas também pela deslocalização dos meios de produção ocidentais : quer numa vertente “outsourcing” quer “off shore”.
A evolução, imparável, em direcção ao estabelecimento de um verdadeiro mercado global, onde a oferta e a procura serão as leis do regime autoritário da livre concorrência, criará as condições ideais para o surgimento de um implacável darwinismo económico-financeiro.
É perante esta realidade, em que já vivemos imersos, que surgem os primeiros movimentos sociais de contestação. Na França, como símbolo da conquista de muito dos direitos sociais de novecentos, vive-se a perplexidade do abandono de toda uma cultura político-económica, baseada no proteccionismo paternalista do Estado. Lá é mais difícil a percepção da actual mudança de paradigma. Jamais o figurino poderá manter-se fiel ao conceito do estado-social. Antes, caberá ao Estado despender os seus recursos e energias no apoio à iniciativa, ao voluntarismo e à auto-responsabilização do cidadão. É este que deverá perguntar o que pode fazer pelo estado e não o seu contrário.
O que se passa em França (e em muitos lados) é o confronto de uma leitura literal e pragmática da realidade, já arejada pelo novos paradigmas na abordagem do papel do Estado e da Sociedade e a manutenção da fé dessa mesma Sociedade num Estado intervencionista, complacente e desresponsabilizador. É toda uma nova revolução coperniciana. Assistimos, pois, não a um braço de ferro entre Villepin e a Gália, mas a uma incompreensão absoluta e irresolúvel entre aqueles. Nada mais, nada menos que um problema, puramente, de linguagem.
Adenda: a propósito ler este post no Blue Lounge.
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