quarta-feira, fevereiro 15, 2006

A propósito do Choque de Civilizações

No que tange este tão polémico e recorrente tema, tenho algumas resistências em seguir a interessante visão que nos propõe o Paulo Gorjão : O terrorismo transnacional é o resultado de uma interpretação do Islão -- e do fundamentalismo islâmico em particular -- que expressa um projecto de cariz ideológico. É o resultado de uma interpretação do Islão em função de uma ideologia política.
Os Estados ocidentais -- bem como os Estados islâmicos -- estão envolvidos numa guerra. Numa guerra contra o fundamentalismo islâmico, do qual o terrorismo transnacional é a expressão com maior visibilidade.
Esta é a «Longa Guerra» que, afinal, Estados de diferentes civilizações estão a combater em conjunto e em cooperação. Uma guerra ideológica e não cultural.
É precisamente a sua natureza ideológica que exige que se actue com firmeza e sem cedências.
P.S. -- Note-se, uma vez mais, que não estou a dizer que não existem diferenças culturais. Elas estão lá, no pano de fundo. O que estou a dizer é que não se pode confundir as causas e os sintomas
.
Na verdade, creio que a questão Cultural ou Civilizacional, não aparece, somente, como pano de fundo. Nem sequer é a aparência de um "projecto de cariz ideológico". É muito mais do que isso. É o que lhe subjaz. Porque não surge só das contingências da geo-estratégia política económica. Não vemos caras islâmicas de escândalo com os atentados até hoje perpetrados. Não há actores visíveis (é certo que podem ser cerceados) do mundo Muçulmano que façam uma crítica paulatina, uma reflexão séria e estruturada sobre a sua Cultura. Aliás, o que se intui é uma complacência generalizada dos protagonistas do "arco islâmico". Onde reside esta atitude ? Tem uma génese profundamente cultural.
Evidentemente, quando falamos do fenómeno do Novo Terrorismo, à escala global e difusor de uma "cultura de morte", "apocalíptica", não o podemos identificar com o Islão. De todo. Mas o certo é que as suas raízes estão lá. Não surge dos ensinamentos de Confúcio, ou de Buda, não se reclama tributário de Shiva ou Vishnu.
De facto, persiste toda uma idiossincrasia que, para nós ocidentais, não pode ser partilhada e só, muito dificilmente, compreendida.
A propósito, voltei a um texto meu, já publicado noutras andanças (aquando do 11/09), e que para além de conter uma curiosidade mais do que perturbadora, creio, lança algumas pistas:
"Mas por mais cruel que pareça, na verdade, a questão que existe é, eminentemente, civilizacional. Não é fruto dos princípios sob que assenta o Islão, aliás, os da tolerância e do respeito, mas do uso que, historicamente, os muçulmanos dele fizeram. Primeiro de tudo, há que ter em conta que o Islão, que, etimologicamente, quer dizer paz, não se impôs, como o Cristianismo, sua religião meia-irmã, pela mesma forma.
Nos primeiros séculos de Cristianismo, a adesão de novos fiéis era conseguida através da conversão, fenómeno í­ntimo e individual, fruto de uma relação directa com Deus. Roma, cujos exércitos perseguiram os cristãos, fazendo mártires os seus seguidores, sucumbiu pela Fé e converteu-se. O Cristianismo cresceu com a palavra.
No Islão, Deus, é uma entidade sempre inatingí­vel, existindo um fosso entre Alá e os homens. A sua difusão muito passou pela conquista militar. Daí­, a eterna promiscuidade entre religião e polí­tica. Uma foi condição da outra. O Islão cresceu com a espada.
No século XI, no Próximo Oriente, mais especificamente, no Cairo, surgiu uma seita religiosa e polí­tica (repare-se nesta constante coexistência) que se impôs pelo terror, a seita Ismaelita de Alamut. Visava, sobretudo o confronto dos cristãos e das cruzadas, que, como se sabe, haviam recuperado Jerusalém (faça-se o paralelo com a actualidade). O seu desiderato era a conquista do poder polí­tico. Esta seita foi criada em volta de um prí­ncipe, Hassan ben-Sabbat, que ficou conhecido para a posteridade como "O Velho da Montanha". Era um muçulmano xiita, que não sunita (diferença que aqui não abordaremos). O príncipe foi expulso do Cairo (Osama Bin Laden da Arábia Saudita) e instalou-se na Pérsia, ou seja o actual Irão, bem ao lado do Afeganistão. Aí­ reunia a sua seita e, do castelo de Alamute, partiam os seus homens em incursões sanguinárias contra os inimigos. O líder, nunca aparecia em público, vivia refugiado. A seita espalhou-se de tal forma que chegou aos Balcãs. Hassan arregimentava os seus homens, quase sempre jovens, exaltando a fé muçulmana e exigindo uma obediência total, sem reservas. Havia vários graus de evolução dentro desta Ordem. No último grau era transmitido o último segredo: "nada é verdade, tudo é permitido". Diz-se, também, que para dominar os seus seguidores e estimulá-los, proporcionava-lhes orgias, nos magní­ficos jardins do castelo. Embriagando-os com álcool e haschich (haxixe), fazia-lhes crer, coincidência das coincidências, que, se lhe obedecessem, usufruiriam para sempre dos maiores prazeres, no paraí­so celestial - as virgens. Assim, dominava-os de tal forma, que alguns dos seus homens, os "fidawis", obedeciam-lhe a tal ponto que se matavam a um mero sinal dele - facto que é relatado por algumas fontes. Quais terroristas, organizavam-se em hordas violentas e com uma ferocidade inaudita, saqueavam, chacinavam populações, matavam os cristãos que encontrassem, além de populações árabes (tal qual...!). A sua fama de crueldade redundou na actualíssima palavra assassino, que lhes é devida. Provém de "hashchashin" que quer dizer, "os que estão tomados pelo haxixe". Esta seita só foi, totalmente, exterminada no séc. XIII.
De facto, as semelhanças são evidentes com o fenómeno actual da Al-Qaeda. E é esta semelhança que os identifica e nos permite compreender muito do que acontece nos dias de hoje.
No fundo, o que subjaz a todos os tremendos acontecimentos da actualidade não é a questão palestiniana, não é o imperialismo americano, não são as desigualdades norte/sul ou Ocidente/Oriente, não são razões eminentemente políticas ou económicas. É um fanatismo suicida que mergulha as suas raízes no mais profundo da alma do povo Árabe. O facto é que as próprias nações Árabes e Islâmicas reconhecem-se, mutuamente e inconscientemente, contra o histórico inimigo comum, a Cristandade. É a referência, a alteridade, que os une e que os identifica. Por isso, sentem tanta dificuldade em combater os seus irmãos. Os séculos passam mas a ideia permanece. Intocada."

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