sexta-feira, janeiro 06, 2006

Olhares cruzados sobre o Porto

Foram realmente cruzados os olhares que ontem se debruçaram sobre o Porto. Paulo Rangel e José Manuel Fernandes, assessorados por um mediador Rui Moreira, discorreram em perspectivas aparentemente dissonantes sobre o conceito do Porto como cidade rival, ou cidade aliada de Lisboa.
Deslocando qualquer referência do Porto a uma noção de “capital”, Paulo Rangel, numa apresentação notável, enjeitou, qual ovo de Colombo, qualquer pensamento provinciano do Porto como polo centralizador ("uma 2.ª Lisboa será sempre uma Lisboa de 2.ª"). Bem ao contrário, sufragou clarividentemente, um conceito de Porto como polo dinamizador. Ilustrando a sua exposição com apelativos exemplos e imagens de outras metrópoles e países europeus, demonstrou que uma ideia de cidade, de liga de cidades, seria muito mais prolífico para o Porto e para a região que o acolher de uma qualquer energia centrípeta à la Paris ou Lisboa. Porque não em vez da cidade-estado um “estado de cidades”? E mais, este conceito de rede de pequenas metrópoles, seria profícuo estendê-lo não só ao território entre Minho e Vouga, mas alargá-lo a uma cooperação construtiva com as regiões da Espanha. Já agora, numa perspectiva mais ampla, alargá-lo à Península, como forma de contrariar o deslocamento da União Europeia para Leste e o efeito jangada de pedra: porque não (qual Benelux) um Ibero(lux)! No fundo, o primado do seu pensamento pode-se resumir em : modelo multipolar versus modelo unipolar. O que, aplicado à nossa cidade traduz-se – Oh suprema blasfémia – na união das duas margens desavindas do Douro, unindo os dois centros urbanos, tão chegados, que só um rio os aparta. Num país quixotesco como o nosso, algo poderia exorcizar a melancolia paralisante da cidade e da região, e este projecto bem poderia ser o golpe de asa que falta.
Temerário, numa argumentação inovadoramente poderosa, o conceito de cidade que apresentou corta, radicalmente, com o lugar comum de um Porto subalternizado e tributário do queixume.
Por sua vez, José Manuel Fernandes, demonstrou possuir um pensamento consistente. Na verdade, o seu ponto de vista não foi alfacinha, longe disso. Todo o seu périplo argumentativo debruçou-se no enquadramento das regiões do país, até ao país como região europeia. Denunciou a raiz de muitos dos males que nos assolam e que andam a ser apontados diariamente: o paquidérmico sector público administrativo. Facto que determina em parte a macrocefalia lisboeta, mas também, que alimenta muito dos razoáveis índices de bem estar das cidades médias do interior do país. O modelo centrípeto português, faz reconhecer laivos de terceiro mundo, de mexicanização. Tudo, no fundo, radicando num problema de mentalidades, isto é cultural, nos sentidos mais transversais que lhe encontrarmos. Como exemplo: a atitude de desconfiança da nossa administração fiscal para com o contribuinte e o contrastante voto de confiança da congénere espanhola. A sintonia com Paulo Rangel evidencia-se na partilha de um modelo de desenvolvimento em rede por contraposição à estrela (o centralizador modelo francês). Recorrendo, então, ao exemplo do projecto espanhol de rede ferroviária até 2020, deixando, a propósito, algumas perplexidades referentes ao nosso país – Ota e TGV incluídos. Por isso, e em face de uma Europa cada vez mais distante (com o alargamento Bruxelas ficou mais longe e Madrid mais perto), defende que a única solução, não para as regiões, mas para o país é que Lisboa e Porto, nunca poderão ser rivais mas, fatalmente, aliadas.
Basicamente, se houve dissonância entre os palestrantes foi na forma como enquadraram a questão: Rangel partiu do Porto para a Europa e Fernandes da Europa para o Porto, assim, se cruzando, de uma forma complementar, as duas perspectivas. Todavia, ressaltou, com clara evidência, o carácter inovador e motivador de um cidadão do Porto, Rangel, que rasgou com os velhos preconceitos regionalistas, conseguindo fazer ouvidos de mercador a todos os vícios que o bairrismo mais salutar possa induzir. E, assim, apontou soluções, que em vez de passarem por estender a mão às benesses de uma repartição do bolo centralista, dele prescinde para promover as suas cidades que lhe são pares e, dentre elas, conquistar o estatuto de primus.

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