Sendo pura especulação, não posso deixar de constatar uma firme e redundante certeza de convicção: Cavaco irá esmagar os outros candidatos, vencendo à primeira volta. Até aqui nada de novo...ou melhor tudo.
As presentes presidenciais são, na verdade, um ponto de inflexão de uma tradição vinda do 25 de Abril. Já Eduardo Lourenço, no seu último artigo dado à estampa no jornal Público da passada quarta-feira, refere que Cavaco é um filho de Abril. Será uma maneira eufemística de referir que Cavaco rompe, total e definitivamente, com o 25 de Abril...de facto e simbolicamente.
Será escusado invocar que foi na revisão constitucional de 89 que se enterrou, a bem da pátria, essa excrescência bolchevique do rumo a uma sociedade sem classes. Ou até referir que a primeira maioria absoluta monopartidária se alcançou com Cavaco ... esse sim, o sapo nunca engolido pelos meus "blogmates"... pois redundou o CDS num partido a quatro... rodas...!!! Não se cuidará, igualmente, de invocar as privatizações e o regresso das famílias tradicionais que a Revolução dos Cravos enxotou. Tudo isto foram conquistas, mas nunca foi o fim de um ciclo iniciado em 74.
Se Soares foi o primeiro presidente civil da III República, Sampaio foi um escorreito continuador. Porém, Cavaco é o primeiro presidente sem Abril. Nele não se invoca o curriculum vitae do passado e da resistência antifascista, da luta revolucionária. Não exibe, com orgulho serôdio, um tempo que já passou e não volta. Em certo sentido, na luta Freitas/Soares, era todo esse passado que se sufragou, dividindo em duas metades o país. Situação algo presente no embate com Sampaio, a par do escrutínio do cavaquismo.
Hoje, a esquerda perde porque ainda não se encontrou. O sufrágio enjeitará Soares e Alegre porque o fantasma antifascista que os nutriu, finou. Porque a trova do vento que passa é um ideal na memória dos que a cantaram. Nem Soares nem Alegre têm um projecto, uma ideia. Alicerçaram as respectivas campanhas na negativa, e as poucas ideias que partilharam não convencem, porque já não correspondem aos anseios de um povo em claro estado de orfandade. Orfandade de valores políticos, e carente de uma força ou projecto mobilizador que crie referências, faróis, paradigmas.
Cavaco respondeu com um novo modelo presidencial. Um executivo que coadjuva, aconselha, avisa e colabora com o Executivo. Um presidente que conhece dossiers, que estuda matérias, que se debruça e debate, com propriedade, os assuntos da nação. Cavaco não é um teórico. E aqui reside a grande diferença. Porque veio do Povo, porque em Boliqueime, cresceu com as dificuldades de quem o elege.
As Revoluções foram sempre feitas ou por uma elite aristocrática, ou burguesa, mas sempre instruída, com berço e sempre à frente...na vanguarda (lá estamos nós no 25 de Abril). Foi essa elite que dominou o país até aos dias de hoje, pelo menos, simbolicamente. Cavaco não. Não foi elite, fez-se elite. É um homem que veio do povo, e sabe-se, governará para o povo. É, por isso, um homem mais livre porque não é tributário de ideologias nem de lobbys. É fiel a si próprio e à sua consciência. Não tem preconceitos de classe.
Ora, nem Soares nem Alegre se revêm neste modelo. Embora Soares venha de uma elite urbana, Alegre surgiu de uma elite de província. Mas, ainda assim, com os mesmos valores. Desdenham a falta de cultura, o desconhecimento dos clássicos. Têm aversão a tudo o que lhes assemelhe como popularucho ou vulgar... são eminentemente burgueses. Cavaco de burguês não tem nada. Não lhe sobejam tiques nem posturas educacionais, é genuíno, goste-se ou não. Não se adivinham preconceitos de classe, nem tampouco, gostos eruditos. Não teve tempo nem vida. Por isso, fala para o cidadão comum, que ele, melhor que ninguém, compreende. No seu percurso encarna a imagem do mérito num país que não o premeia.
É toda esta força, é tudo isto que - para o bem e para o mal - o fará ganhar, sem Abril, sem cravos, sem revoluções. É este quid que hoje, marca a diferença e determinará a sua vitória. É o povo que, finalmente, vai assomar à janela de Belém e contemplar-se. Ainda bem.
Desta forma, ironicamente, o ideal revolucionário que se enjeita se cumprirá e, por isso, se esquece.
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