As presidenciais têm vindo, pouco e pouco, a serem classificadas como um concurso geriátrico, cujos protagonistas, já cansados pela idade, se propuseram a uma última demanda cívica. Soares, com o seu percurso de décadas, já foi tudo o que havia para ser (...menos presidente do Parlamento Europeu). Cavaco com o prestígio inigualável que se lhe reconhece, pouco ou nada teria a ganhar. Devia-se, mesmo, era dar o lugar aos mais novos.
Tanto quanto se saiba, entre Cavaco e Soares existe uma diferença de idades de, pelo menos, 15 anos. Pertencem a duas gerações totalmente distintas. O mesmo se diga quanto aos respectivos percursos : O ex-P.R. é um homem que viveu de e para a política, enquanto o ex-P.M. é um académico tecnocrata. Soares perspectiva uma reedição dos seus gloriosos anos dourados, Cavaco pretende chegar à mais alta magistratura da nação, facto para si inédito. Soares diz que “sentiu” o apelo de muitos sectores da sociedade, que lhe advieram, seguramente, por um sentimento de deserção da esquerda, Cavaco candidata-se com convicção, com determinação para o exercício de um cargo que será o culminar da sua carreira política. De Soares, conhecemos o seu rumo diletante e amigo de meras contingências conjunturais, de Cavaco reconhecemos a verticalidade da postura face às circunstâncias do momento (nunca se ouviu falar de diferenças de estilo marcantes entre a sua primeira e segunda maiorias absolutas). Na base da apresentação de ambas as candidaturas jaz, pois, uma motivação totalmente distinta e que, assim, as define.
Não se deve voltar ao lugar onde se foi feliz, e Soares quer voltar. Uma candidatura laica, republicana e socialista, antiglobalização, prenhe dos famigerados temas fracturantes ou “moral issues”, pela certa, para agradar à esquerda bloquista e pseudo-intelectual. Defendendo o modelo social europeu até que as finanças públicas da União Europeia soçobrem, exorcizando qualquer laivo menor de neo-liberalismo e, definitivamente, hostil aos Estados Unidos, e eternamente amiga da entrada, sem entraves, da Turquia. É qualquer coisa destas e disto tudo que está na calha. Já para não falar num convívio institucional problemático que irá enxertar no magistério presidencial português pós vinte e cinco de Abril.
Assacar, por isso, a ambos os projectos unipessoais (ou proto-projectos presidenciais) o epíteto de brigada política do reumático, é de uma injustiça larvar. É preciso distinguir o homem que se cumpriu a ele e ao seu tempo, de um homem que se propõe cumprir a ele próprio, bem como à sua geração.
Cavaco, possui características que o tornam o homem certo, no lugar certo à hora certa. É político de referência – há poucos - o que neste momento concreto da vida nacional, é decisivo. Corporiza uma série de valores que a sociedade portuguesa persegue, desde a competência à seriedade. E sobretudo a sua vitória representaria a assunção do mérito como condição do exercício do cargo de Presidente da República. O que teria um efeito pedagógico muito positivo. Aliás, sempre pensei que a sua derrota face a Sampaio teve sequelas muito perniciosas. A vitória, sem mérito, de Sampaio representou o sucesso do puro tacticismo político. Jamais, a Sampaio, será reconhecida envergadura superior – isto da esquerda à direita. Sampaio não ganhou por convicção, mas por reacção a um homem que concentrou em si o cargo de Primeiro-Ministro ao longo de 10 anos. Foi uma vitória pela negativa, que contrariou uma vocação natural e merecida de alguém com um “curriculum” político e pessoal reconhecidamente notável. Esse efeito paradigmático alicerçou na comunidade política nacional a sensação de que os meandros do poder não acolhem a virtude dos protagonistas mas a sua circunstância no xadrez político-partidário nacional. Esta consequência perversa inquinou muito do que se tem passado desde 1996 até hoje, tendo até tido idêntica reedição com a “indigitação” do ainda Presidente da Câmara de Lisboa para Primeiro-Ministro.
A candidatura de Soares terá sempre um gosto a dejà vu, um retrocesso alquímico ao passado que nada trará de frutuoso. Cavaco será sempre, mesmo que perca, um eterno presidenciável, cujo destino ficará por cumprir.
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