Agora que foi adiada a discussão sobre o aborto, vai passar para a ordem do dia o Tratado Constitucional da União Europeia.
É inegável, numa perspectiva histórica, a importância que o Cristianismo teve na construção do conjunto de valores que hoje faz inequivocamente parte do património da Europa.
Se se decidiu elaborar um preâmbulo com um enquadramento do texto do Tratado, seria natural referir o contributo do Cristianismo para a construção da Europa (não a construção territorial, mas a construção da argamassa axiológica em que assenta e vai continuar a assentar a União).
Por isso, muitos de nós reagimos mal à recusa, obsessiva e irritante, em fazer referência ao papel do Cristianismo. Esquecem-se que não é por não estar escrito que tudo passa a ser de maneira diferente.
Esta generalizada – e justificada – indignação fez com que surgisse com alguma frequência uma forte vontade em não aprovar o Tratado Constitucional. Apesar de compreender, emocionalmente, esta reacção, não consigo racionalmente aceitá-la.
O texto de um preâmbulo – goste-se ou não – não tem valor normativo. É, no essencial, um texto literário, de melhor ou pior qualidade, mas sem qualquer eficácia jurídica prática. Aquilo que devemos analisar é, isso sim, o texto jurídico para determinar a nossa posição.
Parece-me antes do mais que o texto do Tratado tem uma grande vantagem para um país pequeno como Portugal: define as regras de relacionamento entre os estados, criando-nos uma situação muito mais estável.
Esta ideia de estabilidade resulta reforçada com a solução da dupla maioria (maioria de estados e maioria de população) que obriga os grandes a procurar consensos alargados.
Um outro aspecto de elevado relevo que resulta do Tratado é a Carta de Direitos Fundamentais. Dele consta um conjunto de direitos até mais alargado que o da Carta Europeia dos Direitos do Homem de 1958. Este grande sinal (que tem a sua inspiração última na dignidade humana, herança da Igreja) representa um factor de progresso e distintivo de outras zonas desenvolvidas do globo. Tem de ser reconhecido que se os Estados Unidos aderissem à escala de valores europeia rapidamente seria abolida a pena de morte…
Outro aspecto positivo é a definição das competências da União em 3 níveis: competências exclusivas, conjuntas e de mera coordenação. Em relação a qualquer um destes níveis de competência vigoram os princípios da Subsidiariedade e da Proporcionalidade: a União só intervirá quando se mostre necessário e na medida do que se mostre necessário. E a fiscalização do modo de exercício destes poderes cabe não só ao Tribunal de Justiça como até aos parlamentos nacionais.
Não se trata, pois, de optar entre federalismo e não federalismo, ou de restringir a escolha ao texto do preâmbulo. Trata-se de dotar a União Europeia de um conjunto de valores e de um esquema organizativo adequados aos novos desafios, resultantes do alargamento a 25 e em breve a mais estados.
Admitindo que o preâmbulo podia ser outro e que o texto jurídico poderia ser melhor, estou inclinado a votar Sim no referendo ao Tratado.
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