Há no âmago da presença colectiva dos portugueses no mundo uma miséria endémica muito profunda que se retrata nas coisas quase todas: nas motivações de todos os dias, nas desmotivações - nas nítidas e nas previsionais - que atravancam a nossa capacidade decisória, nos olhos tristes com que todos os dias nos levantamos e sobrevivemos até que a noite outra vez nos esconda as lágrimas. Serve isto para falar de coisas grandes, mas também das coisas pequenas que nos atrapalham as passadas e nos fazem recuar em vez de ir, parar ao invés de progredir. Por muito que não pareça, estou a falar do processo Apito Dourado, esse que agora nos diz que o famigerado campeonato nacional de futebol está endemoinhado e cativo de profunda maquinação corruptiva. Isto é, os árbitros ganham favores de dirigentes desportivos e contribuem activamente para alterar os resultados dos jogos. Pagam-lhes com automóveis? Pagam-lhes com apartamentos recuados? Pagam-lhes com cheques chorudos e não carecas? Não: pagam-lhes com putas e vinho verde. É esta - como se outra vez fosse preciso provar qualquer coisa - a medida certa da nossa miséria colectiva: em Portugal, aos árbitros paga-se-lhes a sua própria miséria com a medida da nossa miséria colectiva: com putas e vinho verde. Somos cada vez mais o escárnio da maledicência da Europa. A menos - o que nem seria mau - que ninguém repare. Ou, o que já é pior, que ninguém nos leve a sério. E é isso que nós merecemos: que ninguém nos leve a sério, nem a nós, nem às nossas putas nem ou nosso vinho verde.
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