terça-feira, novembro 21, 2006

A Europa é uma ideia?

Como deixei entender no anterior blog sobre este assunto, a Europa é claramente uma ideia, mas é também a sua concretização numa ideia política - ainda que através de instrumentos económicos, não me quero aqui ocupar dessa outra discussão; aliás, creio mesmo que hoje em dia já pouca gente terá dúvidas disso mesmo.
Mas precisamente por se tratar de uma ideia política, diz-nos respeito a todos. Principalmente porque da sua concretização dependerá, nas próximas décadas, a afirmação e a defesa da nossa própria existência enquanto portugueses. Nem mais, nem menos, em minha humilde opinião. E o mesmo se diga da generalidade dos demais países europeus, os que são membros da União e os que, caso tudo corra bem, hão-de vir a ser um dia, por mais longíncuo...
Ora, a concretização dessa ideia política, vulgo - actualmente - União Europeia, tem sido refém do jogo das diferentes concepções dos líderes dos países membros sobre ela mesma, em diferentes momentos históricos. Infelizmente, os países europeus, de forma generalizada, tem tido poucos líderes com verdadeira visão sobre o futuro. Diria mesmo que depois de Helmut Kohl e Jacques Delors a Europa tem andado órfã de convictos defensores da sua verdadeira dimensão - o que se prende, creio, na vocação universal que deixei expressa anteriormente e que redunda nos fundamentos que o JAC apontou.
Pior, o consulado Chiraquiano não só tem sido calamitoso para a França, como foi tenebroso para uma certa ideia de solidariedade ocidental, como, pior de tudo, tornou a Europa refém do jogo político interno de um dos seus Estados fundadores. Nada disso é novo. Infelizmente, a França é excessivamente tributária de uma ideia nostálgica de uma grandeza que nunca foi nacional, mesmo se durante séculos foi intelectual. O desespero com que sucessivas classes de graduados do ENA, esse exemplo de excelência mal aplicada, tem procurado manipular o desenvolvimento da Europa para promover uma grandesa desnecessária, fala por si próprio. E tem prejudicado em primeiro lugar a própria França, através das suas empresas e da incapacidade de gerar os empregos de que os franceses necessitam - os erros tácticos dos campeões económicos franceses, sobretudo quando promovidos por vontades políticas, são eloquentes. Infelizmente, a frequência com que a Europa adia reformas absolutamente urgentes, com base em argumentações ultrapassadas pela ciência e pela história, para promover pretensos interesses nacionais, em particular franceses mas não só, tem produzido tragédias sucessivas, que só não são mais evidentes porque a maioria dos preços serão pagos a prazo - mesmo se já hoje são incontornáveis.
Por razões desta ordem é que o Tratado Constitucional é uma má solução para a Europa. Não resolve as questões essenciais e cria mecanismos institucionais perigosos que podem, se não vierem a ser domesticados a tempo, vir a destruir a prazo o modelo integracionista da construção europeia que, apesar de tudo, foi prevalecendo nestas cinco décadas. Porém, tinha o mérito de ser uma solução negociada, fruto de uma vontade colectiva necessariamente tributária de compromissos e cedências.
Infelizmente, o feitiço voltou-se contra o feiticeiro. A França ameaçou com o referendo para poder negociar um resultado que julgava melhor defender os seus interesses, mas ficou refém de um político, neste caso socialista, que pôs os seus interesses individuais à frente dos do seu país e da Europa - isto é, de nós todos.
Para mal de todos nós, porém, foi a falta de líderes com verdadeira dimensão, no momento da crise em que era preciso reagir ao resultado negativo do jogo francês, que permitiu que todo o processo ficasse dependente da continuação desse jogo; primeiro ficou decidido que era preciso esperar que Chirac desaparecesse de cena, e depois ficou esclarecido que era preciso que a França encontrasse uma solução. Pena foi, falo como europeu convicto, que Blair não tivesse aproveitado melhor a ocasião (ou tivesse melhores condições - internas - para isso); ainda assim ficou um laivo de enfoque no futuro, através da necessidade de investir em investigação e criatividade.
Daí a tornar questões menores, apoiadas nos receios e nas confusões das populações, em questões centrais da definição do futuro da Europa, foi, infelizmente, um pequeno e fácil passo. De repente, havia um problema de capacidade de absorção da Europa. De repente, era preciso salvar o modelo social europeu da globalização. De repente, as fronteiras da Europa deixaram de ser uma questão política para passar a ser um problema religioso, geográfico, social, financeiro e económico.
Meus amigos, o assunto é longo e não pretendo cansar-vos. Apenas quiz demonstrar que o problema das fronteiras da Europa não é uma questão geográfica. É, antes de mais nada, uma questão política. Tal como a reunificação alemã. Tal como a adesão dos estados do leste da Europa. Tal como a decisão de criar uma moeda única, ou um mercado único, ou uma política comercial comum. Ou, para sermos mais claros, tal como a decisão de criar uma entidade supranacional, no original e velhinho Tratado de Roma, ainda hoje muito mais completo e perfeito do que todos os que se lhe segiuram.
Daí que a decisão de aceitar uma Turquia que aceite, ou pelo menos respeite, os valores essenciais da civilização europeia, seja uma questão essencialmente política, nunca uma questão geográfica ou religiosa ou de qualquer outra natureza. E para se tomar decisões desse tipo é necessário visão e liderança, sobretudo em momentos de incerteza.
Este é um dos aspectos em que se decidirá se a Europa é uma ideia ou, pelo contrário, apenas um instrumento de afirmação dos Estados que a compõe. O assunto merece mais, muito mais. Lá voltarei. Só não quiz deixar de apontar algumas das suas margens antes do nosso JAC nos dar a conhecer o que terá dito o Sr. Fischer, em Gaia. Aguardo com ansiedade...

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